SEDUÇÃO POR PSEUDO ESPIRITUALIDADE
Autor: Vicente do Prado Tolezano
Assentou Platão (428 – 348 a.C.) na A REPÚBLICA, a mais importante obra já escrita tirante os livros sagrados, com perene razão que “a mais consumada injustiça é alguém parecer justo sem o ser”. A fortiori, pois, imagina o quão nefasto é passar-se não apenas por justo, mas por “buscador de santidade”, sem, de fato e de intenção, a buscar.
Não deve espantar ninguém que Igrejas estejam cheias de almas vazias e mesmo alquebradas psiquicamente. A rigor, Igrejas hão de justamente de ser um hospital para curas anímicas.
A questão muito problemática – e aí o busílis deste artigo – respeita às presenças frequentes nas rodas religiosas de “almas esvaziantes”, ou seja, tóxicas e não apenas intoxicadas, particularmente as da espécie de caráter SEDUTOR.
As pistas etimológicas costumam dar bons frutos semânticos. O vocábulo “sedução” denota senso de “desvio do caminho”, mais precisamente do senso de “ação de tirar alguém do caminho”, seja para ter algum proveito concreto (interesse), só para “gozar” do seduzido (jactância) ou, ainda, só por algum ócio ou vacuidade existencial (revolta).
A atividade de sedução é extremamente comum socialmente, razão porque também é comum a dessensibilização quanto ao horror predatório que ela porta. Pode tantas vezes ocorrer que o seduzido tenha muita dificuldade em ver-se roubado ou sugado, pois ele vai sendo dessensibilizado pelo contexto até de agradabilidade inicial que o sedutor incute.
Em termos espirituais, sedução é ato demoníaco mesmo. Não se perca de vista que toda dimensão efetivamente espiritual nasce de um só berço: do dever de verdade (veracidade) para consigo e para com outrem, com os consequentes de dever de testemunho, honestidade afetiva, de simetria/transparência de intenções, de coerência entre discurso e ação, etc …
O modus operandi clássico do SEDUTOR sempre é a antítese da veracidade. A rigor, o sedutor aprecia pouco o ouro e muito mais a cor amarela. Mais acuradamente ainda, ele gosta mesmo é do “poder” de vender pedra amarela como se ouro fosse.
Ele enche-se de gozo ao ver que tantos compraram o “ouro dos tolos” e mesmo, tantas vezes, do sofrimento da frustração da vítima que não teve a entrega da oferta que nunca foi planejada para ser entregue mesmo.
O dano à vítima pode variar de danos materiais, psicológicos, de perda de autoestima e, e casos mais graves, da capacidade de confiar, como uma forma de revolta ao ser, caso em que o desvio se cristaliza in extremis.
É óbvio que o pós-gozo do sedutor tende a ser seguido de tristeza ou angústia, ainda que difusa. Ao cabo, o sedutor vende suas mentiras aos outros, mas ele jamais compra-se. A rigor, se detesta.
Em alguns casos, pode até parecer que o sedutor se compre, mas essa suposta compra se dá no esquema que Narciso fez, que não é sequer amar a si acima de tudo, mas sim amar a sua imagem inventada acima de tudo. Ou seja, é um esquema de auto-sedução egóica. É até forma de suicídio anímico. Aliás, em sentido fino, Narciso se suicidou por tanta dessensibilização de si.
Muitos são os jeitos de seduzir: beleza, exibição de falsas potências, riqueza, erudição, status social, cargo, etc…, inclusive, e aí o nosso ponto, a PSEUDO ESPIRITUALIDADE.
Aparências muito ostensivas de beatitude, de castidade, moralismo virginal, rigor draconiano litúrgico draconiano, reza compulsiva em público, moralismo exacerbado, elocubração sobre filigrana teológica, etc … entre outras “fachadas de inocência”, por vezes, alternadas com indignação fingida, podem perfeitamente ser só TINTA DOURADA. Aliás, normalmente só são a tal tinta e tão mal aplicada que não resistem sequer à banho de chuva miúda.
Os ambientes religiosos são altamente propícios para a apoteose das aparências e, aliás, a fachada de “piedoso” segue sendo o disfarce que é ao mesmo tempo o mais manjado e o mais eficiente dos canalhas.
A instigação sexual por aparência de beato (a), a sobriedade de fachada para obtenção de confiança para ulteriores proveitos mercantis ou financeiros, senso fraternal hipócrita para aproveitamentos de natureza de índole política-ideológica, projeção virtuosa em papéis idealizados conjuga, maternal, etc … para manipulação afetiva, ardor rixento (tanto inter quanto intrareligioso) para nutrição de orgulho basal, charlatães com aura instrospecta em pleno ofício, etc … são coisas absolutamente cotidianas nas rodas religiosas, com cheiro, gosto e efeitos de vampirismos sedutores contra os alquebrados e carentes em geral que estão nessas rodas.
Psicopatas e transtornados borderlines, paranoicos, esquizoides e histriônicos estão frequentemente por trás das ações acima ditas e, por muitas vezes, são até líderes espirituais. São gente que “ama” poder sedutor sob conversas de confrontos entre trevas e luzes, sempre instigadoras de imaginário exacerbado.
Se as rodas religiosas, a sua vez, forem virtuais, tendo o mundo como auditório, então, perdão pelo trocadilho, o limite à sedução é ilimitado e são muitos os seduzidos que ficam efetivamente desviados. Não duvide disso.
Vida espiritual no sentido efetivo é cultivo constante e progressivo de vida absolutamente interior, de purga (de afetos e inclinações), de iluminação (clareza e tomada de decisão de plantar) e união (entrega amorosa efetiva, desprendimento). Ou seja, muito mais apropriada para a primazia de “retiro social” que para “encontro social”.
A métrica, aliás, para a aferição de vida propriamente espiritual é a de desmundanização (sobrenaturalidade – amor) e não formas para se fixar ou posicionar no mundo político, social e afetivo (dimensões naturais – poder), as quais, no limite, são meros meios e não fins, cuja subversão é perversão.
A toxina dos sedutores não precisa ser absolutamente aplicada intravenosa e particularmente em alguém para que os efeitos deletérios advenham. Claro que nestes casos, a intoxicação será maior, mas já há uma forma de intoxicação difusa, por osmose ambiental pela simples presença, quase nunca combatida de frente dos tipos tóxicos nas rodas religiosas.
Seguramente, o leitor conhece muitos SANTOS DE FACEBOOK, cujo único agir é seduzir de manhã, seduzir de tarde e seduzir à noite, a despeito de meios mais variados possíveis para suas seduções. Afasta-te por um mês deles e testa os efeitos em si, que serão até “chocantes”. Tua percepção, sensibilidade, senso de proporção, oitiva das vozes interiores, etc … serão tonificadas, sinal que o “desvio de caminho” vai-se diminuindo. Sempre que diminuímos as simples influências dos sedutores a liberdade, bem absolutamente metafísico, cresce.
Olavo de Carvalho, certa feita, afirmou, dirigindo-se ao público católico romano, que urge ir à Igreja, receber os Sacramentos, virar as costas e sair correndo. Advertia ao perigo das relações tóxicas de que tratamos acima. Tempo houve em que este articulista entendera a tal advertência apenas como hipérbole superlativa; depois, passou a entender que seria apenas um “certo exagero”. Atualmente, advoga que se cuida de um recado “com foro de razoabilidade” sim.
O artigo não ataca a atividade religiosa, orientada à ordenação espiritual-sobrenatural e cuja ausência ou deficiência implica de per si a desordem natural. Somos absolutamente chamados à transcendência. O artigo não abona nenhuma forma de ateísmo ou materialismo.
O fim próprio do artigo é advertir, pois, que urge, e muito, ORAR para perseguir a inocência e a consequente amorosidade, sem se esquecer que urge, muito também, VIGIAR para não virar ingênuo e, consequentemente, masoquista-desviado de algum entre tantos perversos que seduzem por expressões múltiplas de pseudo espiritualidade.
SP, 02/02/21
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