022 – Amor, Putaria e Tempos Líquidos

Autor: Vicente do Prado Tolezano 09-11-2017

Vem de ARISTÓTELES a sábia advertência de que muita atenção se deve dar à raiz etimológica das palavras para o incremento da fineza na leitura da realidade.

Neste artigo, debruçamos atenção às expressões PUTA ou PUTARIA, normalmente associadas ao sexo mediante paga, luxúria ou outros aspectos de incúria sexual. Essas associações são imprecisas, contudo, e estão focadas, ao limite, a um efeito da PUTARIA, mas não com nexo direto com a essência que os termos querem transmitir.

A raiz, de fonte latina, é o termo PUTATIVUS, o qual denotava em semântica própria as noções de ILUSÃO, ENGANO, etc., e não necessariamente contém o elemento de pagamento.

De forma precisa, a puta não é meramente quem recebe para ter relações sexuais, mas quem provê ilusões, tal que a atividade de putaria em geral não se limita ao domínio sexual e nem à remuneração por pecúnia.

De qualquer forma, partindo de exemplo concreto das putas de casas de luz vermelha, note que uma parte expressiva da clientela quer beber da ilusão de que é amada, prezada, etc…, e à puta cabe simular tudo isso, inclusive que ela tem orgasmo e que cada cliente é o que todos querem: ser únicos, pouco importando a esmagadora evidência contrária, de que a fila da cópula é longa. Em um sentido, essa parte da clientela tem o pé no terreno do masoquismo.

Outra parte da clientela tem pretensão, não de ser amada pela puta, mas de ser destruidora. Querem se iludir que têm poder por humilhação da puta, simbolizado esse poder pelo dinheiro, que podem até esfregar na genitália. Esses têm pretensão de sadismo, mas seguem, no mais das vezes, com seus pezinhos no chão do masoquismo. Em um sentido existencial fino, todo sádico é masoquista.

Em todo caso, “me engana que eu gosto”, é a lógica regente da atividade de putaria, para além de matéria sexual e também para além de remuneração em pecúnia. Estão inclusas aí outras ilusões, a de que “prazer é felicidade” – e aí é o GÊNERO CENTRAL DE TODA ATIVIDADE DE PUTARIA –  que exista “FELICIDADE SEM COMPROMETIMENTO”, etc… Luxúria e hedonismo são pródigos em fantasias, mesmo contra os fatos, ora os fatos chatos!

Trocando em miúdos, PUTARIA, sob qualquer modalidade, seja de sexo, de consumismo, de pretensões de vaidade, etc…, é conduta ativa e passiva de DESAMOR, pois amar é sempre COMPROMETER-SE COM A REALIDADE e não com a mentira.

Ama mais quem mais calcina ilusões e posto que, com o perdão da tautologia, “toda ilusão é forma de fugir do comprometimento existencial”, o que é o mesmo que toda ilusão é forma de fugir do amor, da produção. Quem não está em ilusão está produzindo (também sinônimo de amar). Essa regra não mente.

Sucede, contudo, que estamos vivendo os chamados TEMPOS LÍQUIDOS, expressão cunhada pelo ZYGMUNT BAUMAN, para denotar os tempos em que, tal como é a natureza dos prazeres, nada é para durar, na qual “compromisso é opressão” e também na qual os laços humanos não vêm ao caso, só as posses de objeto ou o gozo, prazer liquido.

Ou seja, não há embaraços de qualquer ordem para dizer que TEMPOS LÍQUIDOS são equivalentes a dizer TEMPOS DE PUTARIA. Na realidade, não chegam a travar uma relação de sinonímia, mas de eufemismo, pois denotam a mesma coisa, mas “tempos líquidos” têm conotação suavizante à miséria a que ela refere.

Nada de se surpreender, pois, normalmente a atividade de PUTARIA vem acompanhada de sedativos-lenitivos-letárgicos. As casas de luz vermelha, designação gentil para puteiros, ou mercado de locação de genitais, costumam ser refinados, bem decorados, usam talheres de prata, guardanapo de seda, luz ambiente, podendo ser mansões, etc…, ou seja, lugares perfeitos para quem quer se iludir de ser acolhido ou de ser dono-mandante, a variar a pretensão do cliente, como antes dito.

Contudo, o pequeno pecado que BAUMAN fez no “nome” TEMPO LÍQUIDO não foi reproduzido na descrição escorreita que ele fez das (faltas de) atitudes contemporâneas da sociedade de consumo. A maioria é PUTO ou PUTA, conforme o sentido ortodoxo-etimológico da palavra e seus apetrechos sedativos-lenitivos-letárgicos são múltiplos, desde baladas, ideologias, religião, entre outros escapismos dos tipos mais SUTIS possíveis.

Aí vem a pergunta: no senso de proporções, as Casas de Luz Vermelha e suas profissionais não estarão até mais honestas? Pois são explícitas e é óbvio que desamor é tanto mais perverso quanto sob mais sutileza habita.

Duas das cenas mais marcantes do recomendável drama O Filme da Minha Vida, do Selton Melo, foram ao âmago da questão das putas honestas em termos cumulativamente concretos e simbólicos: 1) o protagonista, o jovem e virgem Tony, vai ao cabaré pela primeira vez. No quarto com a puta, ele se apresenta dizendo que é professor de geografia (e é) e, candidamente, pergunta-lhe com que ela trabalha e ouve a resposta sonora “sou puta”; 2) o velhaco e canalha central do filme, representado pelo próprio Selton Melo, em uma situação traz a questão-dilema-provocação “qual a diferença entre o homem e o porco?”.

Quem tiver interesse nas putas-honestas-personagens também pode se deleitar na personagem Sonia Marmeladova do clássico Crime e Castigo de Dostoiévski. Quem, a seu turno, tiver interesse nas putas (ou putos) – desonestos-reais de carne e osso, basta interagir no cotidiano e prestar atenção, inclusive pouca.

A reprodução do texto é livre, devendo ser citada a fonte e preservada a unidade do pensamento.

Vicente do Prado Tolezano é graduado em direito peça PUC/SP e Mestre em Filosofia pela Faculdade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, com investigação sobre a Metafísica de Aristóteles. É diretor da Casa da Crítica e da Tolezano Advogados.

Tem formações complementares diversas na área da Gestão, Psicanálise, Mediação, Filosofia Clinica, Lógica e Argumentação e outras sobre a Alma Humana.

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