067 – Coragem, Covardia e Temeridade

Autor: Vicente do Prado Tolezano 02/07/2020

 

       Urge DOSAR. A vida excelente ou otimizada – sinônimo de vida virtuosa – é vida sob critérios de mediania.

       Seguramente uma das mais assíduas emoções sobre nós é o medo/desconfiança, do qual tantas vezes zombamos por mera “arrogância temerária” e perante a qual tantas vezes nos curvamos por “burrice covarde”.

        Medo é das mais assíduas emoções porque importantíssimo à preservação bruta e imediatista da vida. Muito difícil e cheio de consequências mediá-lo na dose certa, eis que o que preserva a vida também pode castrá-la.

        Acuradamente, as emoções são paixões brutas e pontuais. Padecer delas, num sentido, não é pontualmente controlável. Passará X pessoa que automaticamente pode encantar quanto amedrontar Y pessoa mas não Z pessoa, não indicando isso em si só alguma patologia de Y ou de Z.

        O que é controlável é a ação sobre as emoções por mediação (“elaboração”) pontual do pensamento com efeito de ordem (ou regra) sobre as reações inerciais a que elas instigam.

        Se feita essa “elaboração”, o como um projeto crônico e sistemático, por vezes até profilático, estamos diante de uma situação de educação dos afetos, que é o que melhor prepara a atuação em casos concretos.

        De qualquer forma, em todo caso absolutamente crítico/pontual do advento de inércia emocional, urge ao sujeito mediá-la com i) pensamento lúcido, ii) senso realista de proporções, iii) clareza de fins e iv) deliberação criadora a si de uma regra (ordem), sem o que sucumbe à perspectiva meramente reativa (própria de COVARDES ou TEMERÁRIOS).

        Como ficam fortes as pessoas que, passo a passo e a cada nova circunstância emocional, vão se “auto regrando”.

        Relativamente à emoção em questão – o MEDO – quem bem o dosa ou regra-lhe adequadamente por ação mediadora chama-se CORAJOSO, possuidor da virtude da coragem.

        Virtude é sempre da categoria da ação (atitude) nunca da categoria da paixão/reação (comportamento) e sempre demanda  dosagem entre vícios opostos de excesso ou deficiência.

        Todas as dimensões da vida são absolutamente de risco (fatores de medo) e tal que estes devem necessariamente ser assumidos dentro, claro, da razoabilidade.

        A ojeriza desproporcional a riscos e perigos, bem como à inevitável dramaticidade existencial, por “excesso de medo” (nenhuma ou baixa mediação dele) se chama COVARDIA.

     O covarde desconfia muito e castra-se quanto as oportunidades da vida, num esquema em que, se crônico, quase sempre “sobrevive” como masoquista que renunciou à liberdade (caso de quem tem medo e desconfiança de si, comum como os peixes no mar), podendo ter medo de coisas inofensivas e por conjecturas até delirantes, eis que lhes costuma falecer o senso do ridículo.

        Boa caricatura do covarde é a imagem de cães fugindo do barulho de rojão.

        Os covardes despejam rancores, fingidas indignações e hostilidade quando desdenhados de seus subterfúgios ou, mais com mais intensidade, se confrontados com a coragem alheia, o que não passou despercebido por Nelson Rodrigues quando disse que “nada nos humilha mais do que a coragem alheia”.

       O âmbito vital do covarde é reduzido a um patamar de fuga ou paralisia. O próprio aspecto fisiológico da emoção é de “frio”.

     “Escapar” (até mesmo sem saber do que) é constante nas suas vozes interiores.

      Formais sutis mas efetivas de covardia são idolatria, apegos e culto à estabilidade.

      O vício da TEMERIDADE, a sua vez, está na outra extremidade. Ao contrário do covarde, peca pela deficiência de medo (ou de mediação deficiente deste) em casos em que ignorar os riscos/perigos sejam excessivos, desnecessários ou desproporcionais a eventual bem decorrente do enfrentamento efetivado ou assumido pelo temerário.

       Pode-se ser temerário também não por subestimar riscos e perigos, mas por superestimar suas potencialidades.

      Ao contrário do medroso que busca desculpas para não agir, o temerário insiste em se fazer passar por corajoso eis que, como este, o temário vai à luta.

     A luta do temerário, contudo, não é ativa, mas é reativa-passional, normalmente em intensidade de ardor, desprovida do juízo mediador deliberativo de que já falamos.

      O aspecto fisiológico envolvido é de calor pontual com traços de reviravolta ou explosão.

      A luta do temerário é rasa, tende à erraticidade (ímpeto, explosão, bravata) e, pois, promete pouquíssima eficácia e mais consequências negativas que positivas.

      O bom combate, de insurgência contra um perigo/risco efetivos, por motivos adequados, na intensidade adequada, etc … é próprio só do corajoso.

      O instinto animal mais primário é o da polarização entre luta e fuga. O covarde se centra na ponta da fuga e o temerário na ponta da luta.

      A mediania, sempre à luz da circunstância concreta, é meta-instintiva, produto próprio da razão julgadora, como vimos acima. Virtude é meio de superação da condição meramente instintiva, exclusividade humana.

      O temerário também se vale de subterfúgios fantásticos para suposta racionalidade de seu ardor, mas com menos intensidade que o covarde.

      Ele diz que faz coisas por honra, mas comumente é movido só por reputação (pretensões de prestígio, heroísmo, etc …), num esquema em que o “reativo” sempre pede “reação dos outros” e se desorienta ao se confrontar com pessoa sóbria. 

     Honra, no sentido muito estrito, de honra exclusivamente por nobreza, só o corajoso alcança. A rigor, o que o efetivamente honrado/nobre não quer é chuva de aplausos, normalmente de multidão de vulgares e vulgarizantes.

     Não só o corajoso, mas também os possuidores das demais virtudes costumam ser solitários na força. O auditório a que cada qual se apresenta se compõe apena de si. O nome desse auditório é CONSCIÊNCIA e viciados não entram.

      O temerário verte menos rancor que o covarde contra quem não lhe confirma nas ilusões, mas é mais exposto à manipulação externa. Pode perfeitamente rixar por instigação como fazem “galos de ringue”.

      Chave forte de discernimento entre viciados e virtuosos: o vitimismo. Covardes costumam lamuriar que lhe roubaram forças e, portanto, não podem regenerar. Temerários insistem nas injustiças das consequências vindas dos combates bisonhos a que cederam.

     Todo vitimismo acoberta traços de desistência e aceitação da humilhação. Virtudes, todas, por sua vez, são vias de perseverança e progressão, particularmente a difícil virtude da CORAGEM, que media o pêndulo do instinto animal visceral, que é o fuga e luta.

      É óbvio que um corajoso pode lutar o bom combate de forma bem dosada tanto pela nobreza do objeto e motivo quanto pelo adequação dos meios e perdê-lo por injustiça alheia.

     Terá, aí, que se valer das forças extremas da paciência para aceitação do destino e até do perdão ao injusto (por vezes, a si), mas não se permitir descontrole ou desistência vital, pois é só isso que o separa mesmo dos viciados.

     Ao cabo: ninguém nasce virtuoso (pois seria uma paixão), faz-se virtuoso (categoria da ação). O próprio Nelson Rodrigues lembrava a todos a sua condição não de corajoso, mas de ex-covarde.  

A reprodução do texto é livre, devendo ser citada a fonte e preservada a unidade do pensamento.

Vicente do Prado Tolezano é graduado em direito peça PUC/SP e Mestre em Filosofia pela Faculdade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, com investigação sobre a Metafísica de Aristóteles. É diretor da Casa da Crítica e da Tolezano Advogados.

Tem formações complementares diversas na área da Gestão, Psicanálise, Mediação, Filosofia Clinica, Lógica e Argumentação e outras sobre a Alma Humana.

2 comentários

  1. Ieda de Alencar Barreira disse:

    Excelente texto. Gostaria de continuar essas reflexões.

  2. Nadir Melo disse:

    Gosto de conversa e informação, crítica e inteligente.

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