024 – Amor e Gratidão

Autor: Vicente do Prado Tolezano 24-11-2017

GRATIDÃO é espécie de AMOR. Toda amorosidade é conduta rara e a GRATIDÃO, aliás, é uma das espécies mais raras de amor.

Cuida de um amor reverso pelo grato por conta de um amor previamente recebido. Ainda que esteja ínsita na gratidão efetiva a vontade do grato de fazer algum bem, esse ato não se confunde com ATO DE TROCA ou equivalente, senão não é amor, mas dívida.

É imediatamente intuitivo supor que o amor reverso se destina ao benfeitor primário, o que é uma situação ordinária da gratidão, mas não necessária. Pode-se distribuir amor em forma de gratidão, por conta de um bem recebido previamente, mas em que o beneficiário direto não seja propriamente o benfeitor primário. Um exemplo entre milhares: uma pessoa pode ter recebido solidariedade em uma situação dramática e agradece por isso provendo bens/ajuda a outras pessoas em situação dramática, mas sem nexo fático com a situação primária.

Em nível muito rigoroso, toda forma de AMOR tem em si um ressaibo forte de GRATIDÃO, pois toda forma concreta/particular de amor pressupõe obrigatoriamente um amor prévio geral, o AMOR ÁGAPE, amor voltado à totalidade da existência, do Ser, do mundo e num esquema em que todo ato particular de amor funciona como uma inscrição neste amor maior.

À pessoa que goza do AMOR ÁGAPE já se dá o nome de “agradecido”, como um “agradecido pela existência/vida em geral”. Só esse “agradecido” provê, em sentido estrito, amores particulares concretos (chamados de “amor filia” com muitas espécies). A conduta amorosa em geral é uma resposta amadurecida (gratidão) pela existência como um todo, vista como “de graça”.

O oposto da pessoa “agradecida” no sentido usado acima é a pessoa “ressentida”, o queixoso geral quanto à existência, pois, afinal, segundo os ressentidos a vida sempre é onerosa/injusta contra ele, etc. O ressentido não tem a condição de amar, no sentido mais agudo e fino do termo, pois em qualquer modalidade de amor, mesmo que o beneficiário direto seja identificado, o ato de amor em si visa sempre TRANSCENDER o beneficiário e tal que só há amor no sentido anterior, de devolução bondosa à existência pela bondade que esta, em si, já é.

Todos os atos com “aparência material de amor”, mas que são feitos sem o ânimo de gratidão/transcendência ao todo nos termos acima, são atos políticos e não atos amorosos. A comumente chamada “troca de favores” ou “dívida de reciprocidades” são atos políticos e que podem até ser justos, mas não são atos amorosos. O máximo qualitativo a que a política pode chegar é ao senso de JUSTIÇA, mas AMOR é sempre mais que JUSTIÇA.

Sobre os atos de gratidão concretos entre partes determinadas, SÃO TOMÁS DE AQUINO (1.225 – 1.274) proveu uma rica análise com discernimento de 3 níveis de profundidade (ou maturação) da gratidão.

O nível mais superficial do nível meramente cognitivo, do reconhecimento pelo grato ao agradecido em função do bem recebido. O segundo nível, intermediário, é o nível do dar graças ou louvores, da “bem-querência” reversa e inclusive pública para o agradecido. E, ao cabo, o terceiro e mais maduro nível do agradecimento consiste no nível do vínculo, pelo qual a resposta de gratidão é um vínculo de até comprometimento para com o agradecido.

É evidente que a variação de níveis depende da maturação pessoal do grato e da objetividade concreta e circunstancial do amor previamente recebido.

Uma curiosidade sobre o particular dos vários níveis é que idiomas diferentes tem foco em níveis diferentes pela sua expressão ordinária de agradecimentos.  Nas línguas inglesa e alemã, o foco está na dimensão cognitiva com as expressões “thankyou” ou “zudanken”. Nas línguas espanhola e francesa, o foco é na graça com as expressões “gracias” ou “merci’ (dar uma mercê/graça). No português, o foco é o mais fundo, e a expressão é “obrigado” (como vinculado).

Obviamente, é muito gostoso a um amoroso receber gratidão pelo amado. De qualquer forma, a gratidão não é, em si, o objetivo do amoroso, sob pena do ato se degenerar apenas para ato político, como antes anotado. O princípio é que quem doa, irá doar porque quer doar e tem em vista a resposta de caráter existencial, a chamada lei da abundância. O doador, nesse sentido, se torna, só pelo ato de doar, mais rico e potente independentemente de ato do amado. O amor pertence sempre ao amoroso e não ao beneficiário dele.

Também, obviamente, que a ingratidão é conduta reprovável, como o é toda postura não amorosa. A única razão de sermos é amar, no sentido de produzirmos/dar frutos e frutos bons. À árvore que não dá frutos ou dá frutos ruins, cabe o destino da advertência bíblica e cuja seta é ígnea.

O fato é que a ingratidão é massiva, pois igualmente o é ressentimento nos termos que já discorremos. A esmagadora maioria não é amorosa e só capta o nível de inteligência política, sob regime da lei de escassez. Atos de amor são raros e quando são o caso podem nem ser, muitas vezes, percebidos e recebidos com alta desconfiança. Um ato de amor também pode implicar, sob a lógica política (ordinariamente vaidosa), humilhação ao amado, o qual, pois pode bem hostilizar o amoroso ao invés de lhe agradecer.

SPINOZA (1632 – 1677) tinha toda razão quando asseverou que “só os homens livres são muito gratos uns para com os outros”. Note caro leitor, que homem livre, homem forte ou homem amoroso são a mesma coisa.

A reprodução do texto é livre, devendo ser citada a fonte e preservada a unidade do pensamento.

Vicente do Prado Tolezano é graduado em direito peça PUC/SP e Mestre em Filosofia pela Faculdade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, com investigação sobre a Metafísica de Aristóteles. É diretor da Casa da Crítica e da Tolezano Advogados.

Tem formações complementares diversas na área da Gestão, Psicanálise, Mediação, Filosofia Clinica, Lógica e Argumentação e outras sobre a Alma Humana.

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