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025 – Amor Romântico – Falácia Trágica

Autor: Vicente do Prado Tolezano 01-12-2017

Do campeonato de ilusões com alta eficácia de adesão e consequências trágicas, o AMOR ROMÂNTICO é integrante das etapas finais, senão até mesmo o campeão.

Qual de nós já não foi bombardeado, sutil e explicitamente, com o imaginário de que “somos metade de uma maçã e que só há uma única outra metade, infungível e perfeita, da maçã que nos completa”? Esse imaginário ainda inculca que se o encontro entre as metades insubstituíveis se realiza há o gozo do cume alto da felicidade (vida perfeita) e, se, ao reverso, esse encontro não ocorre, há o padecimento do vale fundo da tristeza (vida imperfeita).

Não duvidais jamais de que quem se intoxica com esse imaginário adquire bilhete de viagem à masmorra escura, em que os movimentos permitidos são somente os giros falsos e com muita angústia.

Afinal, o asserto “só a verdade liberta” é axioma evangélico, da estrutura da realidade, da constituição antropológica e também da razão reta. A contrario sensu, resta que toda falsidade ou ilusão aprisiona. A concepção de amor romântico, por sua vez, não é falsa dos pés à cabeça só porque, a rigor, não tem nem pé nem cabeça. É falsa em tudo.

Sob qualquer perspectiva e em qualquer de suas espécies, o miolo essencial do AMOR, tomado na sua acepção genuína, é posição ativa própria/decisão/vontade do sujeito amoroso em SER a si, ou se constituir sob um caráter amoroso, que é aquele forte, que gera, protege, cuida, fortalece e preserva a vida própria e de outros. Ou seja, depois que se É amoroso é que se busca o objeto para se LEVAR o amor. Não tem nada de nexo com a situação de se “encontrar um objeto de amor” para, então passar a amar.

O amor romântico, pois, subverte o fluxo tônico e enfraquece deveras o sujeito, que passa a depender de um encontro praticamente aleatório com a “outra metade da maçã” para que ele, por sua vez, desabroche em amor e felicidade.

Como o melhor jeito de não achar algo é procurar por um algo que não existe, o amoroso romântico fica com um problemão e tanto maior quanto mais ele insistir em achar a “outra metade perfeita da maçã”.

É evidente que é muito importante e muito bom receber amor ou amor-correspondido, mas a tônica do AMOR é a tônica da potência de DAR e tal que quanto mais se dá, mais potente e mais feliz – REDIMIDO – se fica. Eventualmente, esse senso de DAR pode ser ampliado para o senso de OFERTAR, pois não só é possível como não é raro alguém ofertar amor legítimo, mas esse amor não ser recebido (às vezes não é sequer entendido).

Em todo caso, a conduta amorosa própria e seus efeitos tonificantes para o amoroso não estão “nas mãos dos outros” e se nelas ficar, o risco de tragédia é imenso. Em qualquer relação amorosa, o outro é beneficiário, mas a relação amorosa rigorosa e propriamente falando se dá entre o amoroso e o todo/natureza/cosmos/Divino e o amor romântico bate de frente com isso e trata essa “não correspondência” perfeita como tragédia e não louva o “ato de amar” em si, mas sim louva uma eventual correspondência-dependente. Amor romântico, assim, é anti-amor.

A propagação amplíssima da ideia romântica decorre de que pessoas amorosas no sentido próprio, ativo, são muito poucas. A esmagadora maioria das pessoas têm, para com a vida, sentimento ressentido e, também, pretensão “mais recebedora que amorosa” e, óbvio, buscam um subterfúgio pseudo-racional de lamúria e que explica a si e aos bois de presépio porque não ama.

O amor romântico é um subterfúgio para amainar a feiura de egos que não progridem. A rigor preciso, não há amor por detrás da cortina romântica fatalista.

Quem dos leitores não conhece toneladas de exemplos de gente que diz que não é feliz porque o mundo é imperfeito. Cuida-se de uma sutil variação (ou até pressuposto) do senso de amor romântico e, pois, igualmente estúpida.

Efeitos mais perversos da crença romântica podem decorrer não da assunção de não encontro da metade perfeita da maça, mas do encontro com uma falsa metade. Essa é a gênese do MASOQUISMO.

Conhecem os leitores pessoas que, mesmo contra todas as evidências, gozam de “plena convicção” de que acharam suas metades de maçã correspondentes, mas que estas maçãs “ainda” não correspondem, mas corresponderão? Essas pessoas costumam ser abusadas de formas diversas e pseudo-racionalizam essa situação com um “senso de sacrifício”, o qual também é ventilado pela concepção de amor romântico.

Afinal de contas, em nome da pretensão ao gozo da única metade boa de maça, ao único caminho que pouparia da tragédia existencial, sacrifícios (em si, pequenas tragédias) são suportáveis, senão mesmo prazerosos, e não são poucos os masoquistas que têm até orgulho de suas condutas mutilantes, nobres só na endo-perspectiva de suas doenças de alma.

De um jeito ou de outro, a concepção romântica é pedinte de tragédia. Shakespeare (1.564 – 1.616), no seu clássico da literatura universal ROMEU E JULIETA, apontou com agudeza ímpar ambos os aspectos trágicos aqui tratados, o do fundo abatimento existencial de que sofria Romeu pela não correspondência amorosa de Rosalina para com ele e, após, do sacrifício macabro a que chegaram Romeu e Julieta por força dos impedimentos ao seu amor, que começou num domingo e terminou na quinta-feira seguinte.

A peça Romeu e Julieta é uma pérola da literatura universal, mas que demanda maturidade para compreender, sendo que multidões a leem como se uma evocação ao amor romântico fosse, ao invés de ser uma denúncia da absoluta irracionalidade destrutiva.

O que não se passa na peça em questão é AMOR, só – e na melhor das hipóteses – paixão/desejos sob a máscara nominal de amor romântico. Não constam planos efetivos quaisquer que Romeu tivesse para fortalecer Julieta por ela mesmo e sem que Romeu tivesse qualquer proveito com uma ação doadora nesse sentido. Idem de Julieta para com Romeu. Eles se queriam em um sentido de fruição/consumista, não de consumação num caráter amoroso e, por isso, não se fala ali de amor.

A etimologia de “perfeito”, vem da noção de já feito por completo, que não tem mais algo a ser feito.  Nós nascemos com impulso ao amor, mas ainda desprovidos de um caráter. O máximo da perfeição humana é constituir/maturar o caráter amoroso para que, então, possamos produzir amor no sentido de fortalecimento/vitalização acima apontado. Só isso é perfeição. A ilusão de perfeição romântica é só ilusão-destrutiva mesmo.

Ao cabo: a vida não é fatalista/trágica e sim graciosa. Precisa-se AMAR.

A reprodução do texto é livre, devendo ser citada a fonte e preservada a unidade do pensamento.

Vicente do Prado Tolezano é graduado em direito peça PUC/SP e Mestre em Filosofia pela Faculdade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, com investigação sobre a Metafísica de Aristóteles. É diretor da Casa da Crítica e da Tolezano Advogados.

Tem formações complementares diversas na área da Gestão, Psicanálise, Mediação, Filosofia Clinica, Lógica e Argumentação e outras sobre a Alma Humana.

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