AMOR, MATURAÇÃO, MORTES, RENASCIMENTO E OS EX-COVARDES

Artigo do Vicente do Prado Tolezano. 

O fruto nasce verde. Enquanto é verde, ele é um receber pleno. Nutre-se da seiva da árvore e é protegido pelo galho e folhas. Ainda enquanto ele é verde, não é comestível (aliás, seu gosto é azedo) e também não dá sementes.

Tirante algum acidente externo, o fruto irá maturar. Alguns frutos passam por uma fase intermédia de maturação, a fase do florescimento.

Quando o fruto estiver maduro, ele será comido por alguém. Nesse momento, consumam-se a “morte e amor do fruto”. E alimenta alguém e não mais existirá como “um corpo” que até então era.

Sua presença física post mortem é sutil é se dá pelos efeitos da cadeia da vida de que ele é elo e que seguirá avante e com sua contribuição pela energia ofertada a quem o deglutiu. O fruto também contribui à cadeia da vida pelas suas sementes, que são cuspidas fora por quem se serviu do alimento.

Se o fruto não for colhido do pé, ele “cairá de maduro” no chão e vai se decompor na terra, adubando-a, sem deixar, ademais, de desentranhar as sementes.

Os frutos vão amar e o pináculo desse amor é sua morte. Em certa forma, há como inferir “mortes prévias” à morte final, sendo cada etapa sucessiva da maturação uma morte.

Frutos maturam de forma bastante previsível, inclusive quanto às etapas intermédias. Estão sujeitos apenas a movimento inercial (geração e corrupção) e tempo cronológico. O paralelo animal, a sua vez, é estruturalmente símile, com a nuança de que o movimento inercial próprio dos animais se chama instinto.

Para a perspectiva humana, o esquema geral de maturação e morte associada ao amor também se aplica, mas com complexidade. Nossos corpos estão sujeitos à geração e corrupção inerciais, tal que o tempo cronológico se aplica a nós nessa dimensão de matéria.

Ademais dos movimentos puramente inerciais, orgânicos ou instintivos, gozamos do movimento espiritual, chamado “vontade” ou também de “iniciativa”. Nós podemos falhar ao amor, podemos praticar destruição e podemos dissociar nossa maturação orgânica da maturação psíquica.

Ao menos uma morte nos é inevitável, a derradeira. Contudo, muitas mortes de maturação intermédia podem ou não se realizar. Chamamos, na perspectiva humana de “mortes de fases ou mortes de egos”.

Em esquema bastante “grosso modo”, podemos ter grandes estratos de maturação:

Quando somos crianças, somos recebedores totais de cuidados e proteção e temos naturalmente comportamento só egoísta, imprestável para contribuir, tal como se dá com o fruto verde.

Se maturamos, chegará o florescimento, próprio da adolescência, com a robustez e beleza corpórea, tal como os frutos que florescem e, no mínimo, embelezam, que é a primeira contribuição razoavelmente prestada.

Se seguimos a maturar, chegará a fase ativa-produtiva, próprio da madureza (vida adulta). Diferentemente do fruto, que presta-se de alimento, gera e morre coincidentemente, nós alimentamos (servimos) e geramos antes da morte física.

Se seguimos a maturar até a fase de ancião, antessala natural da morte, seguimos a contribuir, não na produção própria de adultos, mas como depositários de experiência, de aconselhamento, iluminação, etc…

À fase propriamente recebedora não existe o “se” condicional. Às demais, sim. Não escapa da experiência direta de qualquer leitor muitos casos de “gente que não maturou”, os também chamados mimados!

Gente de 40 anos de idade ou até mais que ainda está em “lógica de flor”, que não produz, que não “caiu do galho”, não “saiu do ninho”, não cuida de ninguém, por vezes sequer de si, gente anciã de idade, mas “oca” plena de consciência ou reflexão acumulada, desprovida de qualquer condição para orientar, servir sequer de exemplo, etc… existem miríades de milhares.

O esquema psíquico e existencial subjacente a isso é a VONTADE DE NÃO MATURAR, que, de certa forma, é uma vontade de NÃO MORRER EGOICAMENTE. A vida social dá egos diversos às várias etapas da vida (não apenas as 4 centrais acima indicadas) e associa esses egos não à transitoriedade, mas como se uma “vida absoluta” cuidasse.

Um ego precisa morrer para que outro nasça. É um fenômeno de morte seguida de renascimento, como uma renovação das pessoas que são as mesmas mas em patamares amadurecidos, mais lúcidos e mais potentes.

É gostoso demais reencontrar pessoas há tempos ausentes e constatar a maturação essencial, também chamado de patamar de consciência ou de atitude! Isso é vital e evoca mais vida. São tristes demais esses reencontros com a constatação oposta, de que a pessoa segue girando no mesmo patamar de outrora, senão mesmo até com decaimento infantil.

Não há amor sem morte! Ademais, se há amor há renascimento. Esse é um primado espiritual chamado ESPERANÇA. Amor é para fortes, que aceitam morrer (dar bens, dar vida, dar tempo, entre várias formas de dar-se). Toda transformação é forma de morte.

Os relutantes ou escapistas da morte no sentido aqui tratado são desesperançosos e apegados a esquemas egóicos muito grandes. Esforçam-se à exaustão na recusa da maturação psíquica, intelectual, existencial, etc…. e racionalizam em formas até mirabolantes seus cálculos egoísticos.

Tentam morar na tal “Terra do Nunca”, aquela em que o tempo não passa e todos somos crianças eternamente. Acuradamente, é uma forma de COVARDIA existencial e esterilidade.

A compreensão fina da vida implica ver mortes sucessivas, como aqui tratadas, como seu fundamento.  É o esquema da “vida mortal”, cadavérica, dos que não matura versus a “morte vital”, renovadora, dos que maturam. A rigor, lembre-se, nós próprios, nascemos, a priori, da morte egóica de outrem, seja a morte psíquica, transformadora, de quem se tornou progenitor.

Frutos e animais não têm o dilema de covardia x coragem. Eles simplesmente maturam à fórceps absolutos da lei da inércia. Nós, se corajosos, decidimos. Em sentido muito acurado, toda decisão é também uma forma de morte, pois delibera sobre algo à frente com alta imprevisão senão o senso de esperança. Não se confunda “decisão” com “falsa decisão”, subterfúgios que parecem decisão quando são só decisões de não decidir.

Fechamos o artigo com 2 registros:

  1. Hoje é dia de Páscoa, 09/04/23, dia justamente de renovação, de esperança de renascimento;

  2. Nosso grande dramaturgo, Nelson Rodrigues, lembrava sempre que, a rigor, não existem propriamente CORAJOSOS, mas sim os EX-COVARDES, ou seja, os que já maturaram.

Maturemos e sempre renasceremos. Não maturemos e “morremos de vida morta”.

SP, 09/04/23

4 comentários

  1. Hermeto Silva disse:

    Muitíssimo bom texto! Eu diria que até iniciático, cabalista, hermético!

  2. Marlon disse:

    Reflexão oportuna.

  3. Helia disse:

    Magnífico, uma terapia completa, confronta o ser para que haja ser. Escritos que catapultam o indivíduo para a vida boa.

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