071 – Integração e Integridade Pessoais

Autor: Vicente do Prado Tolezano

A perspectiva clássica sobre a alma, desde a tradição platônica, divide-a em 3 partes: a) perceptiva; b) intelectiva; c) volitiva.

À percepção propriamente dita, regida pelos sentidos e sensações, agrega-se a faculdade de imaginar, que, em apertado resumo, é um prolongamento sensorial.

A captura (impressão) do fato é o menor núcleo da percepção, também chamado de o “que” das coisas. A disciplina clássica da sensibilidade em geral é a gramática. Modernamente, chama-se de INPUT a perspectiva sensível.

A atividade intelectual, a sua vez, tem seu menor núcleo no conceito, uma abstração das percepções dos fatos brutos e que também é dito do “o quê” das coisas. Algo conceituado pode ser organizado em classes de comparação e desencadear raciocínios, caso em que aí já haverá o pensamento propriamente dito.

A disciplina clássica que se ocupa da intelecção é a lógica/dialética. A atividade intelectiva também  se chama modernamente de ELABORAÇÃO.

A parte volitiva, quem vem da expressão volição, sinônimo de vontade, é propriamente a mais propriamente humana das potências da alma. É, a rigor, nossa ação, como uma resposta (expressão) à existência ou a ordenação de nossos efeitos sobre o mundo.

A disciplina própria da expressividade é a retórica e seu menor elemento é a afetividade humana (emoções aglutinadas). Modernamente, se chama de OUTPUT essa atividade.

Uma pessoa é dita INTEGRADA se sua percepção, sua intelecção e expressão estão alinhadas entre si. Há DESINTEGRAÇÃO se ao menos uma parte se desalinha, seja por debilidade ou manipulação.

A mentira, por exemplo, é o caso áureo da manipulação. Vê-se, pensa-se ou crê-se em algo, mas expressa-se algo distinto.

Ademais de efeitos maliciosos no mundo, a mentira implica a desintegração intrapessoal, cujos efeitos negativos podem até tardar a ser percebidos, mas teimosamente resistem.

O mero “achismo” é outra via desintegrativa, ainda que seja sem ânimo direto de manipular e só por vício de desconcentração mesmo.

Por achismo, expressa-se ou assume-se algo que até eventualmente seja verdadeiro, mas se o faz sem propriedade do saber ou sem o rigor do pensamento, tal que ainda que não seja falsidade própria, não se ancora em percepção ou razão efetiva, situação que também trinca a mente/personalidade.

A expressão, a sua vez, se não ocorre alinhadamente ou se é castrada (muito comum) também rasga o equilíbrio entre as faculdades d`alma, eis que o fluxo impressão, expressão e expressão perde o viço.

A rigor, somos um fluxo impressivo, elaborativo e expressivo. Declarar e também interlocucionar sobre sentimentos, ideias, sensações, etc … faz parte da nossa essência. Não expressar equivale quase que a não gerar efeitos, tal como gente sem arte qualquer.

O analfabeto funcional é um desintegrado crônico, seja porque está castrado em alguma das potências ou as desenvolve debilmente ou ainda as desalinha, tantas vezes por manipulação autogerada ou consentida.

Uma pessoa é bem integrada se (1) bem percebe, bem imagina, bem conceitua, bem raciocina, bem compara, bem avalia/pondera, bem se afeta (emociona/deseja), bem se ordena (exerce vontade), bem se expressa (quantidade e qualidade), (2) e também alinha tudo isso entre si.

Tudo acima não é uma descoberta fantástica da modernidade. As tradições antigas grega e latina já gozavam dessa lucidez. O próprio TRIVIUM CLÁSSICO (clique aqui para conhecer nosso curso) cumpre fielmente essas proposições no fito de integrar.

A alma desintegrada tende à erraticidade, tende a giros falsos, inibe a inteligência plena, pois uma potência desalinhada implica desarranjos nas demais.

Isso é muito fácil de ver no caso dos NEGACIONISTAS, aqueles que negam os fatos diante de si. Por conta disso, a mente demanda pseudo racionalizações compensatórias, num processo que pode não ter fim e que gera efeitos muito maiores que o problema concreto da partida (de perda de inteligência, dessensibilização, atitude em geral, etc …).

Integração não é, por sua vez, sinônimo exato de integridade, conceito este que, contudo, é um derivado daquele e no viés moral.

Integridade (condição do íntegro) denota um esforço de caráter em ser integrado por uma assunção moral. É a ideia de nudez dos gregos, símbolo de quem nada tem a esconder e que busca a harmonia. O conceito carrega em si um senso de lealdade existencial e responsabilidade pela constituição da consciência clara.

Toda tradição antiga, aliás (Platão, Aristóteles, Agostinho) é taxativa na vinculação interdependente dos esforços da cognição reta e caráter reto.

A pessoa meramente superficial, bajuladora, subterfugiosa, de escapismos parasitários, embromadora, etc … joga o jogo dos desintegrados e, via de consequência, não é íntegra, no sentido rigoroso aqui tratado.

Tantas e tantas vezes, o próprio Analfabeto Funcional não está na sua condição meramente por causa propriamente cognitiva (como se fosse, e.g., disléxico), mas como efeito da sua falta de integridade (medos de responsabilidade/liberdade), ou seja, questão de atitude mesmo.

É ingênuo taxar que apenas os muito manipuladores, golpistas, necrófilos, sedutores predadores, estelionatários, etc … seriam desprovidos de integridade. Quem assim pensa é porque já um pé na dessensibilidade, pois, de certa forma, nega esquemas até claros.

Quem tem razoável integração pessoal já capta muito lucidamente que sem esforço ativo, diligente e constante, de integrar-se não se é também íntegro. Vindo da outra ponta, quem é íntegro capta muito facilmente que há de se integrar. Essa captura é a própria consciência humana.

Perseguir critérios objetivos, inclusive sobre si (sem o que se é arbitrário), expressar-se adequadamente (sem o que não há franqueza existencial e nem veracidade), julgar qualquer coisa a partir de discernimento dos fatos (sem o que há simplismo), afirmar só o que se tem propriedade de constatação ou reflexão, etc … (sem o que se é autômato e carente de rigor) são, ao mesmo tempo, causas e efeitos da integração e integridade humana.

O essa altura o leitor já se deve estar a perguntar, se então, este artigo assevera que a maioria das pessoas não é integrada e nem íntegra. A resposta, sem meias palavras, é SIM, A MAIORIA É DESINTEGRADA E NÃO ÍNTEGRA MESMO.

O percentual de analfabetos funcionais entre nós é objetivamente constatado e gritante, ou seja, tantos e tantos só giram em falso, fora da essência de fluxo de input, elaboração e output, tal que as almas são débeis cognitivamente e tíbias moralmente.

São Paulo, 17/09/20. O Autor.

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