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057 – Diplomas e Certificados de Baixa autoestima

Autor: Vicente do Prado Tolezano 17/10/2019

Falar inglês era requisito para admissão do escritório de advocacia que este articulista dirigiu por vários anos.

Poucas vezes, houve candidatos que simplesmente diziam no currículo que falavam inglês e “ponto final”. Normalmente, quase todos os candidatos diziam possuir certificados respectivos, variando de intermediário, intermediário superior, avançado 1, avançado 2, etc e etc…, entre outros besteiróis.

Falar inglês efetivamente – e não possuir certificado de que falasse – era coisa rara. Aliás, nos últimos anos, falar português razoavelmente também se rareou, inobstante diplomações acadêmicas.

Houve candidatos que se recusavam a fazer teste de fluência em inglês e até reagiam com trejeitos de indignação fingida, já que “quem possui certificado não precisa provar nada”. Seguramente, é algo tão sólido como é afirmar que quem beija só beija porque quer casar com quem beijou.

A advertência tantas vezes repetida por Shakespeare de que a beleza é traiçoeira condiz com a maior parte dos papeluchos chamados certificados, pois boa estética visual eles tinham sim: brasões rococó em relevo, estampas douradas ou prateadas, tipografia rebuscada, entre outros lenitivos para a mentira que eles representam.

A opção fundamental pela mentira sempre foi e seguirá majoritária entre as gentes, tal como o ódio contra aqueles que não as endossam, os iconoclastas. Na dimensão social, o poder de alguém é diretamente associado a quanto se consegue exigir que suas mentiras sejam aceitas e até louvadas, pouco importando que todos os interlocutores sejam cínicos e cônscios de que o são.

Não é regra necessária, mas é regra estatística que o humano é perverso. Uma simples questão de certificado de “escolinhas de inglês” está imbuída no fluxo da perversão sob uma aura de banalidade.

Quebrar a banalidade exige inteligência e autoestima, essa última mais rara que a primeira, que também é rara.

Não urge ser demasiado inteligente para aprender inglês ou qualquer idioma estrangeiro. Quem receia isso não conseguir e por isso se inibe e não aprende, tende a ter mais feridas na autoestima que no intelecto.

Quem, por sua vez, opta não por falar inglês mas por conseguir um certificado de que falaria (tão comum como peixe no mar) está com ferida ainda mais funda na autoestima. Nunca se perca de vista que o cordão umbilical da perversão está ligado com a baixa autoestima e os receios e medos dela decorrentes.

Pessoas bem estimadas, que são as que têm personalidade, aprendem efetivamente inglês ou javanês porque podem querer aprendê-los e só por isso. Não tendem a querer mostrar certificados, e muito menos ainda os ideologicamente falsos.

Mutatis mutandis, o que se passa com os certificados de inglês, passa-se também com os diplomas das universidades, certificações para o trabalho, comendas honoríficas e demais coisas dos mercados de ilusões.

Não há nenhum exagero em dizer que a dita “educação”, como articulada no Brasil, é apenas uma escolinha de inglês emitindo certificados ideologicamente falsos para acalmar a ‘baixa autoestima’ das gentes por meio de distribuição de títulos pó de arroz. Até a tendência a aprovações automáticas está se cristalizando para corroborar tudo isso.

Houve euforia recente no Brasil com celebração de suposta ascensão das gentes, que viraram universitários, como se a universidade tivesse se universalizado com a multiplicação de bacharéis, mestres e doutores, portadores de diplomas tão fidedignos como os certificados das escolinhas de inglês.

A rigor, não é verdade que há advogados ou profissionais de nível superior sem trabalho próprio. A verdade é que há atendentes de lojas de fast food que possuem títulos de universidade, mas sem capacitação não apenas nas suas áreas especializadas, mas, tantas vezes, sequer na língua portuguesa (quem dirá em inglês!).

Como exemplo, advogado, é quem conhece o esquema de ordenação jurídica, sabe exercer os meios de postulação de direitos, planeja estratégias racionais, mantém-se frio em circunstâncias passionais, maneja proficientemente o idioma, acha sentido em ambiguidades, não se importa em desagradar muita gente, etc … Só e só isso é ser advogado e não é a mesma coisa que ser “advogado-nominal”, ou seja, “ter diploma de”.

Recado para a conclusão: toda angústia que a baixa autoestima gera é aumentada com as falsas soluções, incluindo aí a posse de certificado/diploma/troféu/comenda ideologicamente falsos que só tem efeito de despersonalizar, como se alguém buscasse de fora o enchimento próprio – ego puro – para convencer a si que seria o que não é.

Quantos e quantos imbecis já tentaram convencer este articulista – e com pose de empáfia – de que falavam, sim, inglês, mesmo sem falar uma palavra em inglês. Quantos mais alegaram que seriam advogados mesmo sem saber praticar atos de advocacia e tudo porque tinham certificados/diplomas respectivos!

Por justiça, muitos mereceriam certificados, mas só os de imbecilidade e de baixa autoestima. Nada além disso.

 

A reprodução do texto é livre, devendo ser citada a fonte e preservada a unidade do pensamento.

Vicente do Prado Tolezano é graduado em direito peça PUC/SP e Mestre em Filosofia pela Faculdade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, com investigação sobre a Metafísica de Aristóteles. É diretor da Casa da Crítica e da Tolezano Advogados.

Tem formações complementares diversas na área da Gestão, Psicanálise, Mediação, Filosofia Clinica, Lógica e Argumentação e outras sobre a Alma Humana.

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