044 – Amor, Perigo de Traição e Confiança
Autor: Vicente do Prado Tolezano 05/02/2019
As pessoas que confiam muito nas outras e controlam-nas pouco serão seguramente muitas vezes traídas. As pessoas que, por sua vez, confiam pouco nas outras e controlam-nas muito, igualmente, serão muitas vezes traídas!
Queremos, pois, afirmar expressamente com os assertos acima que o encontro maldito com a traição é inexorável a todos.
Um dos maiores ícones de extremo poder humano-mundano, Júlio Cesar, foi o pai adotivo de Brutus! Mesmo o Deus encarnado, onisciente e paradigma da vida maximamente virtuosa, foi também traído.
Obviamente, a inexorabilidade da traição não serve para validar os incautos/temerários nem os controlistas/covardes, pois, a rigor, extremos opostos entre si são ambos vícios. O adágio virtuoso é orar “E” vigiar e não é “ou” uma ação ou outra.
Urge, pois, CONFIAR e, por óbvio, suportar as TRAIÇÕES que certamente atravessarão as peneiras das cautelas razoáveis.
Ainda que a dor da traição seja imensa, normalmente uma mescla de dano financeiro, perda de oportunidades e, senão mesmo, perda da dignidade própria, ela é condição ontológica humana.
Em acurado rigor, toda traição é apenas uma espécie refinada do gênero mentira e a mentira é o caráter geral do mundo.
Não é digno de escândalo exagerado a frequência de traições; é digno, isso sim, de maravilhamento a escassez delas – coisa rara. Utopias de mundo perfeito são só utopias mesmo. Oásis de nobreza existem, mas seguem oásis.
Quem não conhece caravanas longuíssimas de gente que diz que queria demasiadamente casar, mas não vai casar porque tem medo de que o cônjuge vá trair-lhe. Mutatis mutandis, isso se passa com filhos, com negócios, amizades, vocações e com todas as hipóteses empreendedoras ou amorosas da vida (amar e empreender são sinônimos).
O esquema das caravanas é exatamente assim: prefiro me trair pela castração de meus potenciais (auto sabotagem) para que outros não me traiam!
Isso é puro ego defensivo e há até quem se babe de orgulho disso. Aliás, orgulho e ego são mesmo indissociáveis entre si.
Contudo, não tenha nenhuma dúvida de que a conta do egoísta defensivo é mais nefasta que a do traído.
No primeiro caso, há pouca “dor em sentido próprio” (pois é exatamente dela que o egoísta foge) e há, em termos precisos e em contrapartida, “sofrimento” crônico diluído numa vida de dessensibilização lenitiva. O traído por outrem, por sua vez, pode padecer de dor aguda e pujante até nas entranhas, mas tende a ser dor apenas crítica e sem um caráter de impregnação (sofrimento diluído no tempo), tanto quanto tenha um caráter forte.
Goze de certeza que auto traição por incapacidade de confiar é “escolha porca”, impeditiva de voos altos, que jamais são solitários. Apesar da maioria humana não ser confiável, a vida segue sendo gregária. O egoísta desconfiado/controlista não se isola apenas dos outros homens, mas se isola dos potenciais do ser.
A única coisa que mitiga a impregnação maldita das traições é a constituição de um caráter forte, de uma personalidade integrada afetiva-intelecto-espiritualmente.
Não poderia ser diferente, pois são o esforço de caráter constante e a personalidade integrada que que constituem a substancialização humana, a nossa única força, aliás.
A traição, como espécie da mentira ou do não-ser, tende à inépcia só e só se confrontadas diante do ser substancializado ou voluntarioso.
Ou seja, não se combatem ataques mundanos meramente com respostas mundanas, mas com cultivo do espírito.
Os espirituosos aprendem, ao longo de sua constituição, em quem e sob que circunstâncias razoavelmente se deve confiar e não vão se desintegrar pelas traições que seguramente experimentarão. Sacudirão o pó das suas sandálias.
Uma pessoa egoísta, por sua vez, entra em parafuso quando traída. Como sua lógica é do apego, pode até se apegar à maldade sofrida e mesmo a amplificar para justificar as desistências do EU, sejam elas associadas ou não ao próprio mal alegado. O nome dessa atitude é complacência.
Acima de tudo, os espirituosos – e só eles – confiam em terceiros, pois não aceitam trair a si pela castração de seus potenciais produtivos ou amorosos. Seria como insubstancializar o ser e o que é próprio ao espirituoso é exatamente o oposto, a difusão do ser.
Aqueles que já não buscam por si mesmos a substancialização própria, mas só a defesa, a retenção imediata de posição (e nem sequer de interesse) – os egoístas – têm no seu repertório de subterfúgios a escusa que “claro que queriam expandir, mas teriam que confiar, o que não podem fazer porque os traidores são muitos”. Aliás, eles também o são.
O princípio fino envolvido é que quem não trai, mesmo sendo traído, cresce. O oposto é falso.
A reprodução do texto é livre, devendo ser citada a fonte e preservada a unidade do pensamento.
Vicente do Prado Tolezano é graduado em direito peça PUC/SP e Mestre em Filosofia pela Faculdade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, com investigação sobre a Metafísica de Aristóteles. É diretor da Casa da Crítica e da Tolezano Advogados.
Tem formações complementares diversas na área da Gestão, Psicanálise, Mediação, Filosofia Clinica, Lógica e Argumentação e outras sobre a Alma Humana.
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