036 – Amor, beleza e demais transcendentais

Autor: Vicente do Prado Tolezano 24/09/2018

Se te encontras em um ambiente BELO, ganhas um impulso natural para plantar, criar, fertilizar ou, ao menos, conservar essa beleza.

É óbvio que este impulso pode variar desde um simples “empurrãozinho” até a um chamamento quase irresistível, tudo a variar do grau de sensibilidade, senão mesmo do grau de sanidade existencial, das pessoas.

O ponto central aqui é que a BELEZA COMOVE, necessariamente irradia efeitos sobre o humano. A beleza ocupa o assento dos TRANSCENDENTAIS, ombreada e ombreando com a BONDADE e VERDADE, conforme as clássicas doutrinas metafísicas e morais já demonstraram.

Beleza é bem metafísico necessariamente e é ingrediente indispensável no bolo do amor, jamais “PERFEITO” sem ela, tal como se dá com os demais transcendentais. Aliás, o próprio senso de PERFEIÇÃO é senso de orientação ao metafísico, e que inculca uma dimensão do “dever ser”.

Bebe-se em PLATÃO (427 – 348-7 a.C) a formidável doutrina de nossa divisão em 3 estratos: do “baixo ventre”, do “peito” e da “cabeça/intelecto”.

O primeiro versa uma dimensão pré-animal, bestial ou vândala, o segundo, metaforizado pela figura do leão, que já tem um mínimo de ordenação e ruge na dimensão horizontal/política para defender territórios, caçar, etc…, e o terceiro que cuida ser o vetor rumo ao transcendente espiritual, despojador justamente das “coisas do mundo” ou, em termos bem platônicos, “mundo das coisas”.

Os estratos: bestial e de leão já são FEITOS por si predominantemente na categoria da REAÇÃO. Para APERFEIÇOAR (fazer tudo, fazer por inteiro), pisar no mundo da transcendência/da experiência perene, urge a aproximação, assimilação e difusão dos TRANSCENDENTAIS, típico da categoria da AÇÃO e realizadores de uma IDENTIDADE HUMANA propriamente dita.

Os conterrâneos e contemporâneos de PLATÃO cunharam o termo APOIKALIA para denotar a DOENÇA de não fruir, gozar nem pretender “as coisas mais belas”, atentando a que BELO nesta passagem se refere à beleza, bondade e verdade, pois, em um sentido, todos os transcendentais são redutíveis entre si.

Obviamente que, porque podemos AGIR, podemos igualmente FUGIR. A COMOÇÃO que o belo inevitavelmente traz pode dar azo a pulsões de morte, justamente para DESTRUIR o BELO, em um processo que pode ser sob uma leviandade sutil ou dolo deliberado.

Um simples pichador de prédios exemplifica o que dizemos de ódio ao belo por leviandade sutil. Ainda que não seja cônscio – costumam ser néscios – ele se COMOVE com o belo, mas para destruí-lo. Ao cabo último, cuida de um problema de IDENTIDADE que a BELEZA lhe reclama a inspecionar, mas do qual o pichador quer fugir. Mutatis mutandis, com o FUNK se passa o mesmo quanto à destruição da beleza em si dos corpos.

A beleza, a bondade e a verdade têm o efeito de OFENDER muitos, tal como o AMOR, que, em efeito, cuida de ser uma síntese dos transcendentais. A COMOÇÃO deles com resposta de abertura demanda uma “educação para o ser” ou, ao menos, que se evitem toxidades contra o fluxo natural do ser.

Somos muitos os que não tiveram EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS quaisquer, que somos “educados” ao DESPRESTÍGIO do belo, ainda que sutilmente. Vide os próprios horrores da arquitetura contemporânea, que prioriza um esquema FUNCIONAL em detrimento de um esquema de SIGNIFICAÇÃO, senão mesmo de pura significação oca ou desconectada da organicidade.

Beleza não quer dizer luxo/ostentação, e mesmo repele coisas assim, as quais tendem à dimensão bestial ou de leão-poder. A intuição do belo pressupõe harmonia, equilíbrio, simplicidade e, acima de tudo, SENTIDO. Muitas vezes, o juízo estético, divisor do belo e do falso belo, é dificílimo.

Como transcendental, a beleza é corrimão para etapas até a dimensão da “cabeça/intelecto/espírito” a que PLATÃO aduziu, ou seja, tem senso justamente de “despojamento da matéria” e sublimação. Coisa de que a LUXÚRIA – a atividade com os “falsos belos” – é, por óbvio, o oposto.

SHAKESPEARE (de 1582 a 1616) sempre denunciou o lado TRAIÇOEIRO da beleza em muitas passagens, tal como a do aforismo “o poder da beleza transforma a honestidade em meretriz mais depressa do que a força da honestidade faz a beleza se assemelhar a ela”.

Obviamente, o aforismo faz “jogo de palavras” com distorção semântica justamente para chocar com o problema da FALSA BELEZA, a que não ombreia o BOM e o VERDADEIRO. Logo, chama-se BELEZA, mas não é. O que o bardo inglês quer precaver é que a maldade sempre tenta ter ares de beleza (ou de bondade ou de veracidade).

Uma mulher bem vestida, no sentido da modéstia, há de COMOVER um ser masculino à experiência estética e que “pede” uma associação com BONDADE e VERDADE, ou seja, AMOR no sentido efetivo. Se não o COMOVE, talvez não seja homem, no sentido do estrato da humanidade.

Se comoverem, esse homem, mulheres vestidas de forma chula/vulgar e luxuriosa, fortes são os indícios de que ele, em termos de estrato, ainda é besta ou leão carente em busca de uma sedutora ilusionista.

Esse mesmo homem, que não acha feio a vulgaridade ou a ostentação, não está no fluxo da transcendência e muito provavelmente os demais objetos de interesse deste homem são, igualmente, feios neste sentido que apontamos, pois é muito rara a dissociação estética de alguém. É candidato forte ao diagnóstico de APOIKALIA.

Será muito difícil a esse homem se APERFEIÇOAR, realizando sua identidade de espírito, que passa por vencer a luxúria para com o feminino se não cultivar estética também em demais aspectos da vida (e, claro, sem olvidar dos demais transcendentais). Educação em arte, sensibilidade, maneirismo, musicalidade e poética saudáveis são insumos bons para a estética ir se desabrochando.

Está óbvio que beleza não tem nexo com gosto passivo; é muito mais que paixão, é EXPERIÊNCIA DE SUBLIMAÇÃO e que pede um mínimo de ÊXTASE, que é alguma ALTERAÇÃO DE CONSCIÊNCIA ÉTICA com pouca chance de retrocesso, pois ela altera em elevação à percepção do ser, separando joios de trigos, dando impulso de VÔO.

A luxúria, falsa beleza, ao reverso, é MANTENEDORA DE PADRÕES REPETITIVOS, dando impulso de POSSE, pouco relevando se de possuidor ou possuído.

Não sem razão, assentou DOSTOIÉVSKI (1821 – 1881) que ”a beleza salvará o mundo”.

Vale ver que verdade não tem a ver com conveniência, desejo ou projeção, mas com objetividade. Bondade não tem a ver com simpatia, mas com força.

Amor precisa da conjunção equilibrada dos 3 transcendentais e, pois, sempre já é BELO e/ou passa a ser EMBELEZADOR. Se não o for, não é amor; é ouro de tolos.

A reprodução do texto é livre, devendo ser citada a fonte e preservada a unidade do pensamento.

Vicente do Prado Tolezano é graduado em direito peça PUC/SP e Mestre em Filosofia pela Faculdade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, com investigação sobre a Metafísica de Aristóteles. É diretor da Casa da Crítica e da Tolezano Advogados.

Tem formações complementares diversas na área da Gestão, Psicanálise, Mediação, Filosofia Clinica, Lógica e Argumentação e outras sobre a Alma Humana.

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