028 – Amor, levá-lo para quem?
Autor: Vicente do Prado Tolezano 12-01-2018
Na perspectiva passiva, todos são dignos de receber amor, sem distinções pessoais.
Santo Agostinho já advertiu, com exímia correção e santo discernimento, aos agentes ativos do amor, ou seja, aos AMOROSOS, que “o limite do amor é amar sem limites”.
O que, contudo, queremos apresentar neste artigo é que nem todos podem receber TODOS OS TIPOS ou espécies de amor, pois há, sim, distinção de TIPOS DE AMOR para se dar para diferentes pessoas e/ou em diferente momentos das ditas pessoas.
Os reclamos e arguições de igualdade entre as pessoas carregam mais ILUSÕES do que verdade. No mais das vezes, cuidam de UTOPIAS que subvertem o natural, que é justamente a heterogeneidade humana, cuja discriminação reside justamente nas capacidades de AMAR e mesmo de SER AMADO.
No máximo sentido de pertinência real que uma proposição por igualdade pode assumir, será na dimensão meramente de “igualdade jurídica” e a qual pode, na melhor das hipóteses, propugnar por algo JUSTO, mas não propugna por algo AMOROSO. Até porque, se AMAR cuida de ser “dever jurídico” e cumprido justamente pela força de sua juridicidade e sanções respectivas, de AMOR no sentido próprio não mais se estará a tratar.
Vamos repetir para o aniquilamento de qualquer dúvida: é pela diferenciação de COMO AMAMOS E COMO PERMITIMOS SER AMADOS que nos diferenciamos essencialmente uns dos outros e num senso de proporção tal que tudo o mais que pode nos diferenciar, desde posse material, cultura, origem, etnia, temperamentos, etc., é “bagatela”.
Se quiser tratar a “capacidade de amar e se deixar ser amado” como “nível de consciência existencial”, está ok, pois as expressões são “quase sinônimas”. Um outro sinônimo que pode ser empregado é “nível de contentamento ou gratidão vivencial”, pois “amor” ou “consciência” são as antessalas áureas e exclusivas do CONTENTAMENTO humano.
Tal como JUSTIÇA é, na melhor das hipóteses, um pequeno degrau – e até dispensável – na longa escada do AMOR, entre PRAZER e CONTENTAMENTO se dá o mesmo. Esclarecemos isso para que não se cogite que estejamos a confundir mero “prazer” com o fino “contentamento”.
Se o fluxo de orientação causal está precisamente no sentido de que O CONTENTE AMA JUSTAMENTE PORQUE ESTÁ CONTENTE ou que o AMOROSO ESTÁ CONTENTE JUSTAMENTE PORQUE É AMOROSO é tema que vamos enfrentar noutro artigo. Neste, urge salientar que o contentamento e a amorosidade estão ou SIMULTANEAMENTE PRESENTES no mesmo sujeito ou a NÃO SIMULTANEIDADE É APENAS IMPERCEPTÍVEL.
O esquema prático não vacila e é tal que se a pessoa não AMA, não produz, não compartilha, não cuida, não aconselha, não fortalece, não compadece, não admira, não louva, não se compromete…, ela NÃO É CONTENTE/agradecida. Ela é RESSENTIDA. O ressentimento não é normal, pois a “normalidade”, ao limite, é o cumprimento da “norma universal do amor”, ou seja, verter amorosidade.
O que o ressentimento efetivamente é, e isso conduz à PSEUDO conclusões de normalidade, é MAJORITÁRIO SOCIALMENTE.
Sim, estamos dizendo expressamente que a maioria das pessoas é ressentida, não amorosa, não contente, não realizada, frustrada, etc. É natural e mesmo dialético que muitas fotos em mídia social com expressão de gozo de prazer, de posse de bens, de presença em baladas sejam ostensivas para os “pactos de putaria”. O termo é forte, mas não impreciso ou impertinente e a quem interessar a compreensão semântica escorreita dos derivativos de “putativos”, que consulte nosso artigo divulgado no nosso próprio site (casadacritica.com.br).
Feitas as digressões, voltemos em pergunta assertiva ao foco: PODEMOS AMAR A TODOS, INCLUÍDOS OS RESSENTIDOS/NÃO AMOROSOS/NÃO CONTENTES/PUTO(A)S?
A resposta é SIM, mas com RESERVAS SOBRE “QUAL” AMOR LEVAR A QUEM.
As muitas espécies de amor, como não poderia ser diferente, são todas AMOR, mas variam em extensão, desde as mais universais como ágape, caridade, fraternidade, solidariedade, misericórdia, perdão, até as mais particulares como amor de par, amizade, parceria, amor filia diversos, amor parental, apadrinhamento…
A tão só divisão entre “mais universais” e “mais particulares” já aponta que a distribuição amorosa há de ser seletiva não que exista alguém sem caber ser destinatário de todo amor, mas a vários seres vários amores hão MESMO de ser recolhidos.
Há inclusive a advertência evangélica nesse sentido, com a expressão de que “não deis aos porcos as vossas pérolas, para que não suceda de que eles as pisem com os pés e que, voltando-se contra vós, vos dilacerem” – Bíblia, Novo Testamento, Livro de Mateus, Capítulo 7, versículo 6.
Ser amoroso ou ser ressentido é uma questão de ESSÊNCIA HUMANA, no mínimo do “caráter humano”, questão bem mais funda que meros comportamentos, temperamentos, estilos, etc.
Compreender um mínimo sobre os tipos de caráter humano (construtivo-amoroso, parasitário-autômato, destrutivo-acumulador, destrutivo-jogador/sedutor, destrutivo-necrófilo) é de muito valia ao amoroso e ao mundo para poupar a destruição/desperdício da força construtiva que muitas vezes é alocada a “porcos” que vão seguir o preceito evangélico. Quem quiser debruçar no tema dos tipos de caráter, pode consultar nosso arquivo específico em também disponível no nosso site.
A tendência do ressentido é arder de ódio contra o amoroso, pois ao amar o ressentido num grau em que este não tem forças para também fazer igual, tende a se sentir humilhado/conhecedor de sua pequenez. A maioria das pessoas ressentidas, é fugitiva de sua identidade e de saber receber amor. São, em termo práticos, uma abertura para a identidade e podem virar “Medusa”. Seguramente, o leitor conhece casos de que uma modesta ajuda foi dada a uma pessoa de caráter amoroso e esta agradece, fica feliz, reconhece, etc… tais casos em que uma grande ajuda foi dada a alguém de caráter não amoroso e cuidou de ser uma fonte de ódio.
Sem ingenuidades. O ser humano não amoroso, incluindo muitos do nosso redor, pode ser “porco” sim, senão até menos que isso, como o escorpião.
A lógica do ressentimento é a lógica da política, do poder horizontal e sua expressão é a do DESPREZO, seja ele explícito ou sutil/cínico. A lógica do amor é a lógica do espírito, do poder vertical, sua expressão é a produção/cuidado, e não comporta a lógica do desprezo no sentido retro.
O leitor seguramente conhece muitas relações humanas reais fundadas no DESPREZO e tal que quanto mais se despreza, mais simbiose se vê. O nome desse tipo de relação é SADO-MASOQUISTA e, nas feiras, compete com a cebola quanto ao item que nunca falta. de força”. Ai, ai e AI sente o ressentido ante o amoroso, particularmente quando recebe força que não logra assimilar/multiplicar. O amoroso, noutro giro, pode até ter gratidão por um adversário/inimigo, pois consegue reconhecer/assimilar o que eventualmente pode ter “crescido” por uma canalhice externa.
O princípio é tal que o forte, se não morre, se fortalece mais e o fraco/limitado não cresce, mesmo se recebe força. Nem amorosos amadurecidos estão imunes a traições, mas sabem lidar escorpiões do jardim e seguem regando as plantas. Não precisa matar os escorpiões como um todo, pode fraternalmente até os manter vivos, mas aparta-lhes ou castra-lhes os ferrões, como uma negação de relação próxima.
Vale ver, de toda forma, que, em termos muito próprios, não existe AMOROSO AMADURECIDO, mas precisamente existe EX-AMOROSO INGÊNUO, que é aquele que deixou de ser sapo.
Sobre SAPOS e ESCORPIÕES, vale o curto e vivaz conto:
“Certa feita, o SAPO e o ESCORPIÃO se encontraram na beira de um rio. O ESCORPIÃO, em tom bastante afável, pediu ao SAPO para o levar sobre suas costas na travessia do rio. O SAPO rejeitou e indicou o medo para isso, pois poderia bem o ESCORPIÃO lhe picar durante a travessia, ao que o ESCORPIÃO FOI ENFÁTICO em negar, dando sua palavra firme de que não faria isso e com o argumento de que mesmo se fizesse, ele, ESCORPIÃO, iria afundar também. O SAPO ponderou e cedeu ao pedido. No meio da travessia, contudo, o ESCORPIÃO mete o ferrão e fundo no SAPO, condenando ambos ao afogamento.
A mais do grito de DOR, o SAPO ainda conseguiu reclamar ao ESCORPIÃO sobre a quebra da palavra na qual foi depositada confiança e mesmo sobre o porquê de tal coisa, destrutiva de ambos.
O ESCORPIÃO, num ato de elevada sinceridade sarcástica, respondeu que o culpado de tudo isso é o próprio SAPO, pois, afinal, já sabia que o ESCORPIÃO era ESCORPIÃO”.
A reprodução do texto é livre, devendo ser citada a fonte e preservada a unidade do pensamento.
Vicente do Prado Tolezano é graduado em direito peça PUC/SP e Mestre em Filosofia pela Faculdade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, com investigação sobre a Metafísica de Aristóteles. É diretor da Casa da Crítica e da Tolezano Advogados.
Tem formações complementares diversas na área da Gestão, Psicanálise, Mediação, Filosofia Clinica, Lógica e Argumentação e outras sobre a Alma Humana.
Sem comentários