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026 – Amor, Normalidade e Medo de Ser Feliz

Autor: Vicente do Prado Tolezano 28-12-2017

Não há quem não se tenha indagado sobre sua própria NORMALIDADE e tampouco não tenha se debruçado sobre muita cogitação quanto à NORMALIDADE alheia.

Mas o que é ser NORMAL? “Normal” vem de “norma” e, nesse sentido, ser normal é “ser segundo a norma” e ser anormal é “ser contrário à norma”. Em latim clássico, “norma” denotava “régua de carpinteiro” e daí para significar, em extensão semântica, uma forma de bondade por estar em “acordo com as medidas/regras/padrão”, etc… demanda-se um passo manifestamente pequeno.

Também era pequeno para os antigos o passo que se havia de dar para estender a semântica de “régua de carpinteiro” para a “régua do cosmos, ou da natureza, ou, ainda, de Deus”, pois eles não bebiam, ao menos seriamente, da gigantesca e grotesca FALÁCIA, muito difundida entre nós, de que “o homem é filho do meio social”.

Pergunta correntemente às multidões o que é ser normal e terás milhares de respostas mais ou menos convergentes ao senso mais espontâneo de normalidade que é de jeito de “DEVER SER”, mas significando “dever ser como a MAIORIA é ou faz” e tal que se impele a pessoa a uma BUSCA ao padrão praticado, ou ao menos tolerado, majoritariamente.

Prevaleciam nas cosmovisões latina e grega as concepções de que vimos do útero divino ou natural, com essência pré-social, em um esquema em que o UNIVERSAL ou absoluto há de reger o RELATIVO social.

O próprio nascimento da atividade filosófica conforme proposição do projeto socrático foi um esforço de busca do universal contra o relativismo social-político sofista e pugnando que os padrões sociais, ao limite, podem ajudar o desenvolvimento do homem na captação do universal, mas não e jamais na constituição deste.

Veja que até os governos buscavam fundamentação meta social para se legitimar. As especulações jurídicas antigas orbitavam sobre que a lei social tem pretensão DECLARATÓRIA do universal. Ela seria justa se conseguisse captar e expressar uma norma natural e seria injusta se falhasse nesse intento. A justiça ou injustiça de uma lei, pois, não se relacionava com a perspectiva de aprovação da maioria ou nem mesmo da unanimidade.

O princípio é tal que nem a totalidade dos homens, em comum acordo de vontades, pode revogar normas naturais. Já se sabia, contudo, que o legislador falhava muito no seu mister.

ARISTÓTELES discerniu expressamente as dimensões da VIDA BOA, orientada ao natural absoluto, da VIDA BEM SUCEDIDA e para mostrar a insuficiência desta última, orientada por padrões sociais, fossem jurídicos propriamente ditos ou de meros hábitos. A “insuficiência” de que se trata aqui é a insuficiência para a FELICIDADE!

Atualmente, se chama a ética da vida boa de ÉTICA HUMANISTA e a ética da vida bem sucedida de ÉTICA AUTORITÁRIA.

Que o óbvio fique claro: o NORMAL da vida é SER FELIZ e tal que se não se é feliz, não se é normal. Curiosa e paradoxalmente, quando se chama alguém de infeliz, caso da vasta maioria, as pessoas não se importam ou até mesmo confirmam a sua infelicidade. Contudo, se lhes chama de anormal, se ofendem brutalmente!

Ou seja, a irracionalidade, senão mesmo bestialidade, é de tal patamar que o que as pessoas perseguem é a NORMALIDADE e não a FELICIDADE ainda que, estritamente sejam a mesma coisa, mas como buscam, em termos reais, a “PSEUDO” NORMALIDADE seguem infelizes, mas bradando que são “normais”.

A estrada para a vida normal e feliz é apenas a estrada da VIRTUDE (ou força) segundo o notável pensador. Há de se acumular sucessivamente força ao longo da vida num processo de incremento igualmente sucessivo de abertura ao absoluto até os patamares de amor.

Viver eticamente é agir de maneira não apenas FORTE, mas em processo de FORTALECIMENTO e a cada instante mais independente do meio social e até o alcance de meta cósmica. Sempre é tempo de reverberar o pensamento lúcido do NELSON RODRIGUES de que, em termos muito próprios, não existem corajosos em si, mas podem existir “ex-covardes”.

Nossa fusão com o todo cósmico se dá por meio do núcleo mais essencial nosso que é a CONSCIÊNCIA, a qual pode ser definida como um TRIBUNAL COM JURISDIÇÃO SOBRE A NORMA UNIVERSAL, que também pode ser chamada de AMOR. O tribunal é pleno, tem a voz que acusa, a voz que defende e a voz que julga e, ainda, o réu que tenta ficar foragido para não cumprir a sentença.

Gostemos ou não, queiramos ou não, estamos sujeitos à NORMA/REGRA/LEI do AMOR, porque a estrutura de consciência polifônica está em nós, tal que esse é o atributo HUMANO, razão porque a ética própria de seu desenvolvimento e fidelidade se chama humanista.

Só há duas possibilidades de veredicto no Tribunal Humanista, que o de INOCENTE/NORMAL (forte/AMOROSO) ou de CULPADO/ANORMAL (fraco/DESAMOROSO). Não há possibilidade do Tribunal não julgar e não há outro lugar para se buscar a sentença de inocência/felicidade.

Um assunto que nunca interessa ao Tribunal Humanista é o MEDO. Esse é julgado pelo Tribunal da Autoridade, composto pela opinião pública, dos grupos sociais, do chefe do trabalho, de familiares, da moda, etc…

Quem tem pouco medo tem pouca ou limitada adaptação a coisas sociais. Ainda que inconscientemente, as coisas ou grupos sociais têm anticorpos contra a coragem. O ERIC FROMM segue cortante quando diz: “a sociedade é uma fuga do medo, mas também é o solo fértil desse medo, e dele se alimenta, é dele a garra com que ela nos detém e extrai sua força”.

Discernir o MEDO da CULPA é indispensável a quem quiser ingressar na vida adulta de verdade e se elevar no planos das éticas.

Violar a regra de trânsito, do imposto de renda, colar na prova, fofocar, rasgar um compromisso de trabalho, não vestir roupa da moda, (entre tantas banalidades mais) etc… podem gerar MEDO no sujeito pois pode eventualmente sofrer alguma punição/consequência do meio social e isso não tem relação necessária com sentir CULPA.

O foco é que a ética de autoridade orbita no afeto do MEDO. Quando, nessa dimensão, se usa a expressão culpa ela não tem necessariamente o sentido próprio, mas se presta apenas a manejo de um sistema de sanções ou a referências em nível figurado. O medo costuma se associar com senso de VIDA VIVIDA.

Não cuidar da vida própria e de outrem, não aconselhar, não fortificar nem a si nem a terceiros, não produzir/semear, nem distribuir valor/fruto, não doar, etc… entre as tantas possíveis omissões (ou mesmo transgressões) de AMOR podem até não gerar MEDO algum, mas geram CULPA, afeto que contém elementos do medo, mas é bem mais complexo e sutil que ele. Todo o senso de culpa tem em si um ressaibo de VIDA NÃO VIVIDA, como uma atrofia/fuga de vida/valor, própria e de terceiros. “Se” a conformidade para com a ética de autoridade apaziguar o medo, à culpa ela não é nem uma gota de adoçante para uma piscina de suco de limão azedo. Não se entenda este artigo com o extremo oposto da proposta, que seria um dar de ombros debochado à ética de autoridade, mas sim de pô-la no devido lugar e necessariamente TRANSCENDÊ-LA pelo amor. A sociedade não é o nosso útero íntimo, mas sim Deus/Cosmos/Natureza.

Voltamos ao ERIC FROMM para registrar que “o amor é a única resposta sã e satisfatória para o problema da existência humana”.

Na mais otimista das possibilidades, que não é impossível, mas é raríssima, a ética de autoridade alcança padrões de justiça, mas isso não mata a sede de NORMALIDADE AMOROSA, tal que “só justo” continua a ser ANORMAL. Amar é sempre mais que meramente ser justo. Só a conduta AMOROSA é NORMAL. Tudo o resto é PATOLOGIA. Daí vem a pergunta rasa-jocosa: “então, quase todo mundo é anormal?”. A resposta é: “SIM”. Se a resposta monossilábica for insuficiente, responda: “SIM, PORQUE AS PESSOAS TÊM MEDO DE SEREM FELIZES”.

A reprodução do texto é livre, devendo ser citada a fonte e preservada a unidade do pensamento.

Vicente do Prado Tolezano é graduado em direito peça PUC/SP e Mestre em Filosofia pela Faculdade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, com investigação sobre a Metafísica de Aristóteles. É diretor da Casa da Crítica e da Tolezano Advogados.

Tem formações complementares diversas na área da Gestão, Psicanálise, Mediação, Filosofia Clinica, Lógica e Argumentação e outras sobre a Alma Humana.

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