Autor: Vicente do Prado Tolezano
27-06-2016
Somos um país de analfabetos. Essa é a realidade dura e que dura há muito tempo, sem dar pistas de que se transformará.
Houve avanços na “aparência”, qual seja, na universalização da educação, particularmente quanto à oferta universitária, típico “ouro dos tolos”. Contudo, como sói aos avanços quantitativos, quanto maior estes, menor a qualidade, podendo descer até o ponto de virar pó.
Entre os portadores de diploma de graduação universitária, a monta de analfabetos funcionais é de 38%, e entre a população em geral alcança 75%, segundo o trabalho do Instituto Paulo Montenegro. O estoque de brasileiros, a seu turno, que goza de proficiência linguística é de apenas 8%, segundo propunha o saudoso Professor Pierluigi Piazzi!
Passar fonema para grafema e vice-versa segue sendo a aptidão que as escolas efetivamente são capazes de impingir, ou seja, típico caso de analfabetismo funcional, que se limita à capacidade MATERIAL de ação, mas sem impacto na mente do leitor, que não dispara gênese de conceitos.
Claro que o analfabeto funcional sabe ler a placa indicativa do banheiro, o nome do ônibus, fazer alguns troquinhos, etc. Isso tudo se passa na mais pobre das funções da alma humana, que é a memória e memória na dimensão operacional.
Mesmo em profissões especializadas, o analfabeto funcional é predominante. No Direito, e afirmamos isso por testemunho direto, esses atrofiados vivem em multidão. Sabem ler uma petição “se for absolutamente do mesmo padrão formal e lexical de sua sub, sub e sub especialidade técnica”. Se houverem de definir sentido a partir da colocação de vírgulas, ou expressar uma extraordinariedade, um inferno cai sobre suas cabeças ocas!
O analfabeto funcional também é chamado de ILETRADO, aquele que pode possuir a alfabetização, mas dissociada da capacidade de pensar.
As patrulhas politicamente corretas rosnam quando se aplicam os predicados de analfabetos funcionais a analfabetos funcionais, já revelando, de partida, sua corrupção, pois a segunda razão de ser da linguagem é DIZER O MUNDO e dize-lo como ele é.
Se acabar a noção do verbo ser, acabou-se toda possibilidade de dizibilidade e a própria linguagem. Fortificadas as corrupções linguísticas, fortes ficam as pestes “relativistas” sobre o mundo. Relação direta essa, senão mesmo diretíssima.
Mas passa despercebido a muita gente, mesmo gente letrada, a PRIMEIRA função da linguagem, que não é meramente a de dizer ao mundo ou comunicar, mas a de EXISTIR humanamente. Linguagem é propriedade humana para, acima de tudo, EXISTIR, não sendo nem o caso de existência social, mas de existência própria, do sujeito-personalidade falante.
Para efeitos puramente de resumo apertado, trate o leitor como REALIDADE o mundo exterior a si, e como EXISTÊNCIA à sua interioridade.
Isso posto, passe o leitor a ver como a linguagem AFETA a sua interioridade. Exemplos:
a) Use a palavra CASA para onde moras ou LAR, VIVENDA, ABRIGO ou o que for e liste a diversidade de impactos decorrentes da diversidade vocabular;
b) pergunte e responda o nome de um objeto à tua frente e depois tente entender que o nome não está na coisa, mas na tua mente, ligado ao teu conceito mental. A quem fala mais de um idioma, isso é mais fácil;
c) compare as capacidades NARRATIVAS de diversas pessoas quanto a uma coisa muito simples (um dia de passeio, por exemplo) e compare as VITALIDADES respectivas das pessoas em comparação.
Milhares podem ser exemplos, porque milhares são as POSSIBILIDADES EXISTENCIAIS da nossa alma, seja pelos seus elementos essenciais de DESEJO, VONTADE e PENSAMENTO, potências essas todas inter-ligadas entre si e para com o MUNDO EXTERIOR pela linguagem.
O analfabeto, seja no sentido próprio ou no sentido rudimentar/funcional, EXISTE menos enquanto ser próprio. Noutras palavras, vive menos, tendendo mais à apatia (menor âmbito vital).
É óbvio que há analfabetos inteligentes (letrados sem alfabetização). Há crianças que fazem contas sem prévio estudo de aritmética, mas isso não justifica o PÉRFIDO não letramento brasileiro, gênese direta da propagação do FUNK, da insegurança afetiva generalizada, da epidemia de síndrome de piu-piu, etc.
Os antigos gregos já sabiam da direta relação da linguagem com EXISTÊNCIA BOA, seja no sentido de eficiência do ser, realização da felicidade, vida ética e conhecimento da realidade no sentido de adequação da alma ao mundo, num esquema de inter-articulação, tal que a alma é o “sujeito” do mundo, que é “predicado”. Daí a origem da palavra “logos” (ou “logoi”), cujo ressaibo segue nos termos LÓGICA e em tudo o mais que tenha “logia”.
Tão densa/sintética era a cepa antiga que hoje não há UMA palavra suficiente para LOGOS, mas ao menos 3: PALAVRA (dimensão material-sensível, seja falada ou escrita), RAZÃO (senso de proporção do objeto falado e o resto do mundo) e SENTIDO (a inteligibilidade propriamente).
Mais ainda, o senso de LOGOS se iniciava com o AFETO DO REAL e visava AFETAR o real, integrando alma e mundo, o homem e sua vocação divina para perceber, elaborar e atuar no mundo.
Não sem razão, Aristóteles já advertia que, “CONHECER O MUNDO necessita do conhecimento da estrutura da linguagem e vice-versa”.
Nesta nação, EXISTIMOS de forma precária por carecer do primeiro elemento de humanidade, do verbo articulado. O leitor consegue ver a relação direta entre linguagem, ética e felicidade? Tais temas são plena antessala do notável arranjo educacional do TRIVIUM.
Todos direitos são reservados e protegidos para Casa da Crítica, sendo permitida a reprodução dos conteúdos desde que seja citada a autoria e mantida a integralidade dos textos.
Sem comentários