011 Poesia, Profecia e Metáfora

Autor: Vicente do Prado Tolezano 30-05-2017

Poesia e profecia têm muito mais em comum que a mera rima de nomes ou o emprego frequente de metáforas, e isso tudo não é mera coincidência.

Ao contrário do que o senso vulgar costuma pensar, poesia é coisa muito séria para a alma humana. A rigor, é provável que seja a mais séria forma de discurso humano. Civilizações se fundam ou se arrimam em “poetas-profetas”. Homero, Virgílio, Camões, são alguns exemplos entre montões possíveis.

O que poesia essencialmente NÃO é, é uma mera brincadeira de palavras, ainda que, óbvio, chistes possam ser feitos poeticamente. O discurso poético faz a alma humana se virar para o FUTURO, no sentido de que fala das POSSIBILIDADES HUMANAS. Mesmo que retrate um feito ou um drama do passado, o faz para imprimir na alma possibilidades que esta pode vir a “VERSAR”.

O VERSO é uma abreviação do nome completo “VERSO DA ALMA”, como a “outra parte” da alma, a parte que é MATERIAL, visível, sensível, audível, etc., em contraste à parte que é espírito puro, de acesso apenas pela razão.

Para um corpo, a poesia teria função de AR. Inspiramo-lo e ascendemo-lo para “ver a partir de maior altura”, para ganhar potência, contemplar mais beleza e fixar o melhor rumo. O paralelo, a seu turno, que o AR é para o corpo é, para a alma, a função IMAGINAÇÃO. Quem IMAGINA mais, se eleva mais – rumo ao sublime – está, pois, mais forte, filtra/peneira mais beleza, expõe elegância no movimento, etc.

Que o leitor capte a sutileza de que, inspiração de AR para os vivos em geral e de IMAGENS para o homem, são ambas as funções inclusive BIOLÓGICAS (sem embargo de todo o reino da naturalidade humana).

O imaginário é a nossa PROTO-INTELIGÊNCIA, sendo inegável que “inteligir é função vital ao homem” e tal que, em um sentido, quem não intelige, já morreu. O esquema também é tal que quem pouco imagina, pouco intelige e, logo, pouco… vive!

Se quiseres viver mais e melhor, pois, que inale mais e melhor poesia. E tenha que essa profecia não é mera teimosia, com o perdão do trocadilho rítmico! O sinônimo de “viver mais e melhor” é “viver inteligentemente”.

O sentido de INTELIGÊNCIA que aqui empregamos é o sentido CLÁSSICO, BOM, próprio, antes da CORRUPÇÃO SEMÂNTICA que assaltaram o termo para reduzi-lo à mera “inteligência lógico-conceitual”.

Em termos próprios, inteligimos bem uma coisa quando a aprendemos CONCEITUAL e VIVENCIALMENTE, sendo a vivência a base do conceito, e não o reverso.  Por conta da dramaticidade da vida, são criados conceitos para servir a operações de comunicação desta, mas não o reverso.

É um ABSURDO o ponto a que já se chegou de se formular raciocínios do tipo: “Penso, logo existo”. Absurdo puríssimo, consequência da falta de… poesia! Efeitos deletérios e alienantes daí decorrentes são muitos…

Veja um exemplo em linguagem objetivo-descritiva: “Os portugueses fizeram muitos sacrifícios pessoais para as navegações, mas foi muito importante”. É perfeitamente possível ENTENDER.

Compara agora com o clássico verso de Fernando Pessoa:

Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena?

Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

Obviamente, é possível ENTENDER e, mais, é possível COMPREENDER.

Lembre-se que poesia sempre fala de possibilidades e, pois, de exortação de vistas ao futuro. Ainda que a poesia em questão cuide de um período histórico passado, o poeta, em precisão, evoca o fato para profetizar que podemos alcançar NOBREZA se arcamos com a DOR.

Veja uma orientação prática para a vida expressada em conceitos: “Temos que nos ocupar de nós mesmos, independentemente dos outros”. Também se cuida de uma frase dotada de sentido e, pois, passível de ser bem ENTENDIDA.

Compara, agora, com outra pérola poética de Fernando Pessoa:

Segue o teu destino,

Rega as tuas plantas,

Ama as tuas rosas.

O resto é a sombra

De árvores alheias.

A realidade

Sempre é mais ou menos

Do que nós queremos.

Só nós somos sempre

Iguais a nós-próprios.

Fica notavelmente claro que se aliam ENTENDIMENTO e COMPREENSÃO. Conceito e vivência. Ideia e Drama real. Quanta profecia e profecia boa, daquelas que insuflam ar libertário na alma!

O que se chama METÁFORA na poética, chama-se ANALOGIA nas ciências da cognição. Conhece muito mais quem vê não apenas uma “Coisa-em-si”, mas a “estrutura-da-coisa-em-si”, ou seja, quem acessa a substancialidade da coisa.

A metáfora é eficaz para prover entendimento e comunicação da substancialidade porque a estrutura da realidade é ontologicamente análoga em sensos de proporção e de articulação. Quem quiser aprofundar, se debruce sobre a noção de ISOMORFIA do mundo, a noção que prega similitude das estruturas de toda a realidade, partindo desde sensações até ao domínio Divino.

Nós e o mundo das coisas temos a mesma estrutura em grandes linhas. Nosso sentir, pensar e agir são isomórficos. Deve ser predicado de muito, senão muitíssimo, ignorante quem separa razão/afeto, inteligência/vivência como algo são, ao passo que é a SÍNTESE da vivência e inteligência a rota da sanidade.

Se assim não fosse, a sabedoria (a posse de um conjunto de alguns princípios explicativos de muitos fenômenos e iluminadora da vida boa) não haveria como existir e nem haveria, pois, o porquê de haver poetas e profetas.

Nosso foco aqui, de qualquer forma, é sublinhar a importância que há que se dar à nutrição poética em quantidade e qualidade e condição de vitalidade.

As conclusões da cognição decorrem diretamente das fronteiras da nossa imaginação e essa sempre é metafórica, até oniricamente. Muito mais importante que isso, contudo, é que também o fluxo de uma vida, organicamente orientada, parte das metáforas e imaginação bem nutridas.

A vida pobre em metáforas e em imaginação é vida que se afasta da ORGANICIDADE e se aproxima da MECANICIDADE. Deveria ser incrível, mas sói ser crível ante a tantos exemplos reais, que o homem consegue abdicar de ser organismo (e ser anímico) para ser mecanismo (e ser desalmado).

O patamar mais fundo e mais triste da mecanização não é apenas o da ausência de poesia e imaginação em um ser humano, mas quando lhe faltam tanto tais recursos que a última força vital que ele acaba por manifestar é até suicida, que consiste em zombar desses bens que ele não tem. Aí ele não terá mais verso, porque não há de que haver verso e não é mais o caso de se profetizar, pois não existe profecia se não existe mais futuro.

Depois que furou a bexiga não enche mais e essa metáfora, conta tudo.

A reprodução do texto é livre, devendo ser citada a fonte e preservada a unidade do pensamento.

Vicente do Prado Tolezano é graduado em direito peça PUC/SP e Mestre em Filosofia pela Faculdade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, com investigação sobre a Metafísica de Aristóteles. É diretor da Casa da Crítica e da Tolezano Advogados.

Tem formações complementares diversas na área da Gestão, Psicanálise, Mediação, Filosofia Clinica, Lógica e Argumentação e outras sobre a Alma Humana.

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