fbpx

Autor: Vicente do Prado Tolezano
09/10/2018

A raiz etimológica de vítima alcança o vocábulo latino victus, que denota vencido, como dominado.  Em outras palavras: é padecer de uma maldade.

Todo mundo, não só pode ser vítima, como, aliás, necessariamente o será por pessoas/coisas/circunstâncias diversas. Afinal, a vida humana é efetivamente dramática e driblamos com o mal e as dores que ele transporta todos os dias.

Superlativas ilusões são as crenças de que exista uma só vida isenta das agudezas de altos e baixos decorrentes de injustiça, abandono, rejeição, humilhação e traição e isso, para listar só as 5 feridas de índole emocional mais recorrentes.

Contudo, “ser”, neste uso, é ser na “categoria de estado”, algo que vale em um momento e em uma circunstância, mas não é condição integrante da substancialidade de alguém. Afinal, a categoria de estado é daqueles predicados mais fugazes que podemos ter. Mais fugazes até que os da categoria da qualidade, que também já são fugazes.

Não se olvida dos tipos vitimistas, aqueles que sempre arrogarão pelo estado de exceção de forma contínua e ininterrupta em toda extensão e aspectos da vida. Estes, obviamente, padecem do mal, mas de uma maldade dos próprios contra eles mesmos – seguramente, o pior.

Em certo sentido, “vítima” é um papel de poder social, claro que baixíssimo, mas longe da raridade são as almas rasíssimas, que não apenas dependem dos ecos alheios sobre si – a rigor, sobre um EGO montado – como podem até depender que tais ecos sejam juízos comiserativos, mesmo que sabidamente fingidos.

A rigor, aliás, todas as inter-relações egóicas são fingimentos, seja lateral, bilateral, trilateral, multilateral e etc… Os males de que o egoísta maníaco vitimista diz padecer podem ser até mera fantasia e que segue sustentada pelo seu auditório, seja só incauto ou perverso.

O busílis do artigo, a seu turno, é, tirante casos de patologia identitária extrema como do ego maníaco vitimista, o que a vítima pode fazer para, dissipar-se desse estado o mais eficazmente possível, o que equivale, pois, a indagação: como melhor responder ao problema do mal? A dissipação do mal se pode também chamar de RESILIÊNCIA.

Assumida, como já foi, a inexorabilidade do encontro com o mal, urge, de partida, não o assumir como se de um escândalo não natural se tratasse e logo contra o EU, logo EU, “o” dolorido.

Por estranho que soe à primeira vista, achar-se “mais azarado”, “com sina amaldiçoada”, o “bode expiatório”, cuida de forma de ORGULHO, pois inculca um pseudo senso de que o mundo seria (ou até é) perfeito, mas não é perfeito para esse EU.

Essa estrutura de pensar, ao reverso da aparência, não “diminuiu o mundo”, mas “aumenta o EU”. Ela tem por detrás do pano uma busca por “dignidade especial” para atrair a atenção do mundo, que tanto lhe dá atenção em destaque que é nesse EU que concentrara a maldade.

Tinha plena razão NIETZSCHE (1844 – 1900) em lembrar aos homens miseráveis que o sol não brilha nem deixa de brilhar em função das pretensões subjetivas de qualquer um de nós.

Da ilusão orgulhosa de vermos o mundo como um sujeito, mais ou menos uno, e que estaria esse sujeito em alguma relação especificada com o nosso EU, surgem as PIORES respostas existenciais possíveis, ressentidas, ao problema do mal, da dor ou crueldade, que são, conforme o inventário judicioso de LOUIS LAVELLE (1883 – 1951):

(A) o abatimento (perda efetiva de potência ou vitalidade);

(B) a revolta (vontade destrutiva seja de vingança ao malfeitor ou generalizada ao mundo, mas que, acuradamente, só escamoteia senso de impotência);

(C) a auto-exclusão (em sentido em que a fuga dos outros é também uma fuga de si, da parte do EU que fora tocada pelo mal, parte que a consciência não consegue assumir);

(D) a complacência (uma forma de apego ao mal sofrido, como que uma busca de amplificação da maldade sofrida para justificar as desistências do EU, sejam elas associadas ou não ao próprio mal alegado);

Se o orgulho é pai do ressentimento ou se o inverso é que é o caso, tal não importa para saber onde moram, já que estão sempre sob o mesmo teto – e de mãozinhas dadas para molestar. Como o próprio nome diz RE-SENTIR é sentir de novo, que pode ser de novo, de novo, de novo, ad infinitum.

Custe o que for, mas frear a bola de neve do ressentimento urge a todo custo e urgência. A postura de HUMILDADE e de aceitação do mal e dor como próprios da dimensão mundana ainda é o mais eficaz para que, quando os sentirmos, ressintamo-los o menor número de vezes possível.

Também é duvidoso se a HUMILDADE é a mãe da GRATIDÃO ou se o inverso é que é o caso, mas ambas moram juntinhas para cooperar, sempre, e cooperam justamente para castrar EGOS.

Já vem da ética clássica de ARISTÓTELES (384 – 322 a.C.) o preceito de que o virtuoso (o forte) não é propriamente um fugitivo do mal (ou da dor); ele é buscador ativo do bem (em acepção inclusive transcendental-metafísica-contemplativa), único movimento, aliás, outorgante de felicidade não fingida.

Inspeciona todos os vitimados que descarrilharam de forma muito funda, e/ou com muito baixa ou muito lerda resiliência, após encontros maldosos e constata quantos eram “buscadores ativos do bem” e tira tuas conclusões. “Ser”, no sentido próprio, é das categorias da “substância” e da “ação”, jamais da categoria de “estado”.

O oposto de “buscador ativo do bem” não é necessariamente ou apenas “buscador ativo do mal”. A tão só leviandade ou espírito disperso ou diversionista lhe são opostas.

Só um buscador ativo do bem – entre cujos requisitos constam a HUMILDADE e sua inseparável filha ou mãe GRATIDÃO – logra assimilar e metabolizar o mal pelas formas eficazes e até tonificantes, a saber, e também conforme inventário do filósofo francês já aludido:

(A) advertência (o mal ou dor são sinais de alerta/reflexão não só ao EU, mas ao projeto de bem);

(B) aprimoramento e aprofundamento (a amargura da dor é pedagógica e pode descortinar forças interiores ou zonas de consciência até então desconhecidas);

(C) comunhão (o contato vivo com o mal pode ser elaborado por movimento ou reforço fusionante para com o ser/bem, seja em aspectos intra-consciência ou inter-subjetivos);

(D) purificação (sem incorrer em apologia à dor, mas é ela o fator divisivo e travessia para o despojamento dos bens materiais – zona do ter – e para abertura aos bens do espírito – zona do ser. Inclui-se aqui o perdão sincero, que é ato espiritual puro, que restitui e tonifica a substancialidade humana).

Fica evidente que a postura eficaz ante ao mal sempre pede um pé extra-mundo. Não poderia ser diferente, já que é próprio do mundo justamente ser maldoso e é próprio de toda bondade rumar para a transcendência. Na ótica puramente do mundo, se confinada a ele, bondade nem faz qualquer sentido e só, aliás, o egoísmo é que faz e bastante sentido e vítimas.


Você quer se manter informado com as novidades da Casa da Crítica e receber nossa Newsletter?

Cadastre-se agora e fique sempre atualizado!!!


Todos os direitos são reservados e protegidos para Casa da Crítica, sendo permitida a reprodução dos conteúdos desde que seja citada a autoria e mantida a integralidade dos textos.

3 comentários

  1. André Antunes disse:

    Fiz meu cadastro há pouco mas tenho assistido alguns vídeos sobre O Trivium. Sempre fui muito curioso e resistente ao método “decoreba” ou “fazer porque todos fazem”. Sempre quis saber “por quê fazer” e isso agregou a mim a fama de “cricri”. Eu sempre quis mais que ler, mais que fazer, mais que copiar, mais que parecer – eu quis “ser” sem a remota necessidade de aparecer. Por isso estou aqui.

  2. André, o SER é dimensão muito ampla, inalcançável a muitos. Bem vindo à nossa Casa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.