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054 – Linguajar infanto-miserável e linguajar de adulto-rico

Autor: Vicente do Prado Tolezano 13/08/2019

Em não distante outrora, se ouvia, em tom cortês e sóbrio, ao entrar um avião: “Senhores passageiros, boa tarde. O comandante Tal e sua tripulação dão-lhes boas-vindas a este vôo com destino à cidade Tal. Prestem atenção nas regras de segurança. Agradecemos a preferência e boa viagem”.

Atualmente, ouvem-se dicções assim “Oooooi. É muito gostoso para nós que você vai voar com a gente. Se liga aí nas instruções de segurança. Não deixa de nos contar qualquer dúvida. Queremos que logo logo você chegue no seu destino. Queremos também que você aproveite esta experiência de voar com a gente”. A dicção estará cheia de ênfases tônicas e até jingles.

Variem-se as circunstâncias intersociais (operadoras de telefone, atendimentos em departamentos, bancos, Igrejas, etc …) omodus loquendi cortês sóbrio de outrora estará “atualizado para a versão infantilizada”, digamos dessa forma.

Recentemente, este articulista foi a um retiro espiritual. Na abertura, a religiosa bradou ao auditório BOOOOOOM DIAAAAAAAA!!!!!!!, invocando a resposta do mesmo auditório, que deveria ficar de pé, a outro brado de igual ênfase, o qual seguir-se-ia de interjeições coletivas do tipo ehhh, viva, he he he e etc…

No domínio jurídico, tradicionalmente se cultivava o vernáculo fino. Correntemente, são poucos os operadores do direito não só que não violem grosseiramente regras gramaticais, mas também que não incorram no linguajar meramente apelativo-conotativo-sentimentalista. Os terminativos caridosinhos, lotados de ternurinha “inho”, “zinha” e outra já são habitués no léxico forense.

Linguagem sempre serve, primariamente, para expressão de afetos e secundariamente para expressão de conceitos. Perspectivas “primária e secundária” aqui empregadas referem-se à ordem nas etapas de desenvolvimento/progressão pessoal do falante.

Afetos são próprios a todos os animais, a nós inclusive. A conceituação, por sua vez, é exclusividade do sapiens e, rigorosamente, é meio sine qua non da ordenação-elaboração afetiva, num fluxo de “constituição do próprio indivíduo ou personalidade”.

Afeto é matéria e matéria é princípio de homogeneização. Por isso, tratamos animais como iguais entre si no domínio de uma dada raça. Afinal, todos “reagem” igualmente aos estímulos. Afetos são, em princípio bruto, “padrões reativos”.

Obviamente e porque são mais materiais, crianças são mais semelhantes reativamente entre si que adultos. Não esquecer, contudo, que adultos infantilizados são crianças também.

Ordenar ou elaborar a própria materialidade tem também o nome de maturação, quer dizer “virar adulto”, o que se faz com expansão do espírito com detrimento da matéria.

As experiências materiais são o máximo de subjetividade possível e por isso é próprio do infantil mal discernir seus sentimentos, sonhos, projeções, cogitações, etc … da objetividade exterior. Instiga um sentimento à criança e ela tem que o “mundo inteiro é aquele sentimento de que está a padecer”. Verás quase sempre um “risinho” de quase transe que acompanha a intensidade passional.

Por sua vez, ao adulto é própria a objetivização, ou seja gozar da condição “meta-subjetiva”. Obviamente, virar adulto é traumatizante, pois terá que “agir” (não reagir) para dar cabo do subjectus no mundo, já que o mundo é “bem maior que o sujeito”.

Não se exorta aqui qualquer supressão ou abolição dos afetos, mas a sua boa síntese, tal como já exortado pelo poeta Donne: “que nossos afetos não nos matem nem morram”.

Na escada lisa da maturação, a linguagem propriamente linguagem-articulada (não reativa), fundada em conceitos decorrentes de pretensões de objetividade, servirá de corrimão e tal que sem ele o tombo é muito provável.

Mais que bobagens, são mesmo perversas, as exortações da linguagem como meio de comunicação, ainda que, claro, seja isso, mas, tal, inobstante a importância, é apenas seu subproduto.

Acima de tudo, tornamos a repetir, a linguagem é meio (mais precisamente “processo”) de constituição do ser. É evidente que um ser subconstituído (com parca elaboração afetiva e conceitual) comunica, mas comunica pobreza, pois vive como pobre e “pobre nunca entende não só o rico, mas nem a riqueza”.

O processo de enriquecimento não só “da” linguagem mas “pela” linguagem não passa necessariamente por busca de “erudição”, mas de “atitude de maturação” ou sobriedade.

Comunicar-se infantilmente é entregar o cartão de visitas de uma alma infantilizada e convidar os demais a esse rebaixamento existencial. Não subestime o poder tóxico da “infantilização”, pois é muito efetivo sim.

Se tiver já o leitor ultrapassado em anos cronológicos a adolescência e não se “irritar”, “incomodar” ou mesmo “ojerizar-se” com linguajar infantil em assuntos minimamente sóbrios, tal será indício forte de que já está intoxicado a um ponto de dessensibilização.

As “igualdades” mais possíveis entre as pessoas são igualdades nos vícios/fraquezas, não nas virtudes, próprias de personalidades constituídas, ou seja, de “seres por si” (com menor materialidade) e, logo, as maiores heterogeneidades possíveis.

Não sem motivo, os argumentos do linguajar infantilizado são justamente “do coletivo-coletivizante-para-todo-mundo” (meras falácias ad populum).

Ainda que sutilmente (e até inconsciente nalgum grau), linguajar infantilizado é tentativa de semeadura de pobreza ou vanglória. Afinal, via de regra, o pobre não quer enriquecer, mas sim ser confirmado nas suas misérias, e amará mais ainda, se o rico a elas aderir!

Tem dúvidas? Comunique-se, então, com a generalidade das pessoas, mantido o tom cortês, com linguajar adulto/sóbrio/objetivo e veja que não será apenas o caso de não te entenderem, mas também o caso de que sua coleção de hostilidades recebidas (explícitas ou sutis) vai engordar. Iguais efeitos virão à tona se o leitor rejeitar que se lhe falem como se fosse criancinha deixando-lhes claro o motivo.

Repetimos: linguagem articulada e sóbria é “escada para enriquecer e maturar” e é montada num corredor “estreito”. Fora daí, existe muito “bilu, biluzinho”.

A reprodução do texto é livre, devendo ser citada a fonte e preservada a unidade do pensamento.

Vicente do Prado Tolezano é graduado em direito peça PUC/SP e Mestre em Filosofia pela Faculdade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, com investigação sobre a Metafísica de Aristóteles. É diretor da Casa da Crítica e da Tolezano Advogados.

Tem formações complementares diversas na área da Gestão, Psicanálise, Mediação, Filosofia Clinica, Lógica e Argumentação e outras sobre a Alma Humana.

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