010 Objetividade, gramática e corrida contra o prejuízo
Autor: Vicente do Prado Tolezano 11-05-2017
Da brutalidade dos fatos concretos nasce toda inteligência, recurso humano-divino que tem por fim justamente permitir-nos mediação justamente para com os fatos.
É longuíssimo o caminho que parte desde o fato, para a sensação, a imaginação, a memória, a categorização, a cogitação, o raciocínio, a intuição de valor e a contemplação, cada qual extrato componente da razão. Para este artigo, vamos nos contentar com o debruçar de foco no tema da OBJETIVIDADE, sua ciência, que é a da GRAMÁTICA. Somos tão DES-GRAMATICALIZADOS no Brasil que normalmente surpreende dizer que a GRAMÁTICA se ocupa do FATO e não de normas de como falar, senão mesmo de normas de “como escrever”, já que, por cá, assumimos “quase” domínios distintos para a fala e para a escrita.
É óbvio que a ciência da GRAMÁTICA contém as normas da dicção e escrita, mas esse conteúdo de normas operativas não ultrapassa proporções de “ponta do iceberg”, cuja parte submersa é relacionada com os FATOS e/ou a SENSAÇÃO DOS FATOS. E, mais submersa ainda, estará a METAFÍSICA, justamente a zona da razão que está “para além dos fatos”, mas jamais sem eles.
A cepa etimológica latina de FATO é FACTUM, com força de um particípio passado, que denota o que NÃO SE ALTERA MAIS, O QUE SE OBSERVA DIRETAMENTE, senão mesmo VERDADE.
Desde muito cedo, até intrauterinamente, somos AFETADOS por FATOS e é dessa fricção que nasce a nossa inteligência, organizadora das experiências fáticas, para o que a LINGUAGEM é protagonista.
Por primeiro, veja que os NOMES são outorgados originariamente não às coisas em si do mundo, mas às nossas SENSAÇÕES dos contatos/afetos para com as coisas. Nomes, antes de tudo, são recursos da “memória das sensações”, provocadas essas, obviamente, pelos FATOS.
Na sequência de desenvolvimento da sintaxe, esse é o início da percepção do MOVIMENTO ou, mais precisamente, dos meios COMO o movimento se dá, assumindo uma percepção do fluxo dos FATOS.
O céu é o limite e, como para lá podemos ir, a razão bem desenvolvida pode se descolar dos fatos imediatos, visíveis (tateáveis, olfativos, etc…), para ir aos fatos mais sutis, metafísicos, mas não por isso “menos fatos”. Se, se afastar um só centímetro dos fatos, a razão opera no VÁCUO, tornando-se mais que maldita, amaldiçoadora.
Sabe como distinguir uma pessoa bem GRAMATICALIZADA das que não têm posse da gramática ou a possuem parcamente? Peça para DESCREVER algo ou NARRAR uma sequência de eventos.
O GRAMATICALIZADO PERCEBE (ou seja, vê, escuta, degusta, cheira e tateia) muito mais. Pode te contar que a “personagem deveria contar com meia idade por conta de seus fios grisalhos e estava sobre uma mesa azul petróleo com rugas leves e que ao fundo havia um quadro cuja moldura era do tipo x ou y e que a luminosidade da sala refletia, com efeito tal, e qual sobre o semblante da personagem e cuja tez indicava estado psíquico tal e tal e assim por diante…”.
Como a maioria de nós, verde-amarelos de origem, é muito sub-gramaticalizados, PERCEBEMOS menos do mundo, tal que nossa maioria tenderia a dizer que “tinha uma cara lá na sala”.
Queres mais um exemplo? Ponha aos olhos da pessoa um diálogo em que várias pessoas participam. Peça à pessoa, depois, reproduzir o que cada um dissera, separando aquilo que elas disseram no que seriam os FATOS, as OPINIÕES de cada um e as INTENÇÕES de cada um. A maior parte dos advogados da Terra Brasilis tem dificuldade de separar as arguições de FATO, OPINIÃO e VONTADE dos casos em que trabalham!
Em casos mais extremos de DESGRAMATICALIZAÇÃO, mas não por isso menos raros, o falante não confia em nada nas suas sensações. Uma simples pergunta sobre se “o copo está sobre a mesa?” feita a um interlocutor diante de ti e diante da dita mesa, e com o dito copo sobre ela, pode ser bastante problemática, já que é característico do DESGRAMATICALIZADO não ver as coisas em sua frente e/ou confiar pouco no que vê.
Com esse exemplo da indagação sobre o copo, não será difícil que o interlocutor DESGRAMATICALIZADO até te responda, mas em seguida pergunte a mesma coisa a ti, que antes tu lhe perguntaras, justamente para que ele próprio se confirme da resposta que ele deu!! Se nunca viveste essas coisas é porque estás fora do Brasil ou vives, só e só, entre os eruditos de cá.
GRAMATICALIZAR-SE é o CHÃO DA CASA para a atividade da RAZÃO. Não é difícil ser gramaticalizado, mas envolve muito mais que “decorar” regra de gramática. GRAMATICAR-SE, se o leitor entender o bom sentido de VERBO REFLEXIVO, por si só já lerá que é atividade que demanda mais do que CONHECER, e demanda ENTENDIMENTO.
Não é exagero dizer que GRAMATICALIZAR-SE é ENTENDER, no sentido de ASSIMILAR NA ALMA as formas de “MOVIMENTO DO MUNDO, DE MOVIMENTO DAS PAIXÕES, MOVIMENTO DOS RACIOCÍNIOS e MOVIMENTO DA CONSCIÊNCIA”.
Vamos dar um exemplo raso, mas vivaz e condizente aos limites estreitos do artigo. Os estudantes normalmente CONHECEM que há verbo de ligação, verbo intransitivo, verbo transitivo direto e indireto e até identificam um do outro por meio de “perguntas-práticas” (tinha alguma ação do sujeito ou ele estava parado? o verbo “precisa” de um complemento ou não? esse complemento “precisa” das palavras “a” ou “para”? etc…).
Conhecer esse abc de verbos, contudo, está longe de dar ENTENDIMENTO deles, caso em que a GRAMATICALIZAÇÃO seria presente. Não há x ou y tipos de verbos porque a regra da nossa língua assim dispõe. Há x ou y verbos porque HÁ X OU Y MOVIMENTOS DAS COISAS NA REALIDADE.
Fazer alguém PERCEBER, no fluxo físico-material das sensações do mundo, que “há movimentos internos do sujeito, que está sujeito a paixões do mundo”, que há “movimentos externo do sujeito, mas sem colidir com outros sujeitos”, que há “movimentos externos do sujeito que colidem de forma direta ou intencional outros sujeitos”, etc… É dar sentido aos verbos para serem catalogados de forma variada.
Essa percepção há de ser uma percepção da ESTRUTURA DO REAL e não do conjunto de regras, porque “as regras são as regras”.
A PERCEPÇÃO real de SUJEITO e PREDICADO, como outro exemplo, é tema que envolve finíssima intelecção, da noção de substância e de organização até cósmica do mundo. Arrisco que nem 5% dos professores de Língua Portuguesa sejam GRAMATICALIZADOS, senão no sentido de conhecer por memória quilos de regras práticas.
Disso tudo decorre o deserto intelectual em que vivemos. O efeito malévolo que vamos abordar neste artigo é o da NÃO OBJETIVIDADE, característica direta do DESGRAMATICALIZADO, do MÍOPE à riqueza dos fatos, e do inseguro sobre as suas SENSAÇÕES.
Não é excesso dizer que quem não alcança OBJETIVIDADE não alcança o correlativo da SUBJETIVIDADE na medida adequada, ou seja, ao limite, não alcança o seu EU, que divide sua existência com a realidade.
Quando tudo do interlocutor é SUBJETIVO, estarás diante do vício do ACHISMO, do tudo é RELATIVO e do tudo que se fala nada diz, tal como justamente um compromisso de “dizer sem dizer nada” (quando muito meras expressões emocionais, mas sem nada do mundo representar).
Tenha em mente que, atos de fala sempre hão de serem tijolos de sentido e, quando, ao reverso, serem areia (às vezes movediça) de sentido, deves se afastar, se não quiser perder seu tempo.
Já viveste situações tal como o exemplo já invocado, da indagação sobre o copo, do interlocutor responder que ACHA que sim ou que ACHA que não ou tergiversar ou, ainda, dizer “DEPENDE” (depende do que tu acha que é copo, do que tu achas que é mesa, do que alguém de fora acha, e aí sem limites)?
As posições podem ser defensivas também e a resposta a “o copo está sobre a mesa” ser “eu não quebrei nenhum copo, viu?”.
Verifica que as pessoas NÃO OBJETIVAS (também chamadas NÃO ASSERTIVAS) têm muito mais dificuldade e embaraços se a fala envolver a noção de “NÃO” ou negação equivalente, pois o NÃO demanda GRAMATICALIZAÇÃO.
O ambiente social bebe da cultura maldita do “politicamente correto”, se tornou ofensivo dizer que as pessoas são BURRAS. O fato de ser ofensivo, contudo, não tem nada a ver com que a verdade siga sendo verdade… Afirmamos com toda tranquilidade que se a pessoa não trata as questões da vida, das inter-relações e da comunicação com OBJETIVIDADE padecem do mal retro-dito, independentemente de se a maioria do mundo também dele padece ou não.
Sobre o padecimento majoritário, o ÂNGELO MONTEIRO foi certeiro na leitura do estado intelectual nosso ao dizer sobre ele que “não se consegue compreender coisa alguma quando esta é tomada em sua objetividade”.
Mas, ufa, há solução para a não GRAMATICALIZAÇÃO!! A solução se chama GRAMATICALIZAR-SE, ainda que tardiamente.
Não se ofenda o leitor inteligente pela tautologia, mas dizer que o jeito de curar o seco é umedecer, pois por incrível que sejam sistematicamente se tentam “mágicas” para fugir da realidade, ao contrário de resolver o assunto diretamente. A vasta maioria dos advogados brasileiros é ANALFABETA FUNCIONAL, espécie do gênero de DESGRAMATICALIZADO. Eles percebem isso e se avergonham normalmente. Ficam furiosos e fingem/acobertam-se com indignação (falsa) quando são confrontados com a INÉPCIA de ler, escrever e pensar.
Certa advogada, já na 2ª pós-graduação, mas que não sabia utilizar pontos, vírgula, ponto e vírgula, dividir os parágrafos direito, etc., quando deparou com minha asserção que ela girava, girava e girava nos textos, mas quando andava era para trás, me disse que era cônscia de suas limitações, mas que ia fazer uma nova pós para ir resolvendo os problemas… Ela se ofendeu, gritou, se sentiu humilhada quando eu disse que estudar GRAMÁTICA lhe seria mais edificante até para entender o que é uma pós-graduação. Ela provavelmente segue nas trevas… Outra advogada, que não conseguia usar “z” no lugar de “z” e “s” no lugar de “s” se OFENDEU e pediu demissão, prometendo me processar, porque eu lhe perguntei se ela consultava Dicionário de vez em quando, tal como se consultar Dicionário fosse demérito!
Houve mais um que era simplesmente analfabeto puro, não só funcional. Eu lhe perguntei se alguma vez na vida ele lera algum livro de literatura. Após a dificuldade de entender a minha pergunta ele responde que não, que nunca leu um livro de literatura qualquer… Esses seres todos, se perguntados: “o que fez ontem?”, “descreva como foi x ou y coisa?”, vão se enrolar, enrolar e enrolar. Porque são ORGULHOSOS (exigem até gozar do título de Dr), não vão, nem tardiamente se GRAMATICALIZAR. Ai dos clientes deles! Caro leitor, se te faltas GRAMATICALIZAÇÃO, vá atrás de gramática, bom dicionário, bons contos e romances, não interessa tua idade. Os frutos vêm depois. Garantido! Fora daí é BURRICE mesmo.
A reprodução do texto é livre, devendo ser citada a fonte e preservada a unidade do pensamento.
Vicente do Prado Tolezano é graduado em direito peça PUC/SP e Mestre em Filosofia pela Faculdade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, com investigação sobre a Metafísica de Aristóteles. É diretor da Casa da Crítica e da Tolezano Advogados.
Tem formações complementares diversas na área da Gestão, Psicanálise, Mediação, Filosofia Clinica, Lógica e Argumentação e outras sobre a Alma Humana.
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