006 Linguagem e Comunicação

Autor: Vicente do Prado Tolezano 11-04-2016

O melhor lampião contra as trevas que o homem já descobriu e desenvolveu é, distante de dúvidas, a LINGUAGEM. A qual é, comumente, confundida com mera COMUNICAÇÃO, confusão a que este artigo visa amainar.

Tudo, absolutamente tudo, COMUNICA, e assim é, mesmo antes do surgimento do homem. Veja que os próprios rastros etimológicos de COMUNICAÇÃO apontam para os sensos de “comum”, “junto”, “integrado”, somados à “ação”. Tenha agora em mente que tudo está junto “no mundo” e é agente e sujeito de ação.

A rigor, uma pedra comunica no mínimo que é um ser em si e integra o movimento do mundo. Mas deixemos o exemplo extremo do inanimado e vejamos exemplos do mundo dos seres vivos. Animais comunicam o seu ser em sinais, seus estados de ser e mesmo movimentos que vão tomar.

Nesse sentido, um cão, só porque é cão, participa do mundo como cão e, pois, isso comunica. O tom em que esse cão ladra comunica, desde se ele está em estado de alegria ou acuamento, e mesmo se ele virá ao encontro ou se fugirá. Exemplos são obviamente infinitos.

Tudo acima exemplificado é caso de COMUNICAÇÃO, mas não é caso algum de LINGUAGEM. Cuidam de aspectos meramente naturais, diretamente ligados à estrutura ou “dimensão material do ser” e sem qualquer ressaibo de convenção simbólica.

Ou seja, fica claro que, a LINGUAGEM, para se caracterizar, demanda ingresso na “dimensão formal do ser” e ajuste convencional. A relação entre elas é tal que tal que LINGUAGEM sempre comunica, mas não necessariamente, ou nem tudo o que comunica, é linguagem.

Pense no exemplo de um homem qualquer que sofre um impacto doloroso no seu pé e grita: “ÁI”, ou algo equivalente. Essa situação, tal como os exemplos supra indicados, cuida de um caso apenas de comunicação, pois a emissão do som em questão é meramente natural à condição material-fisiológica do ser humano sem, grosso modo, se vincular a uma convenção. Em termos gramaticais precisos, chamamos isso de INTERJEIÇÃO.

Pense agora que o mesmo homem liberta seu aparelho fonador e lança ao mundo o som articulado: “o meu pé dói” ou o equivalente em inglês “my foot pains” ou “mein Fuß schmerzt” em alemão. Pronto, estamos diante da LINGUAGEM, pois (i) os fonemas lançados só expressam sentido definido por força de convenção e (ii) tal que VALEM algo diferente de SI, ou seja, são SÍMBOLOS de formas.

É possível, em alguns contextos de simplicidade semântica, que as comunicações por INTERJEIÇÃO e por SÍMBOLOS dos exemplos acima sejam equivalentes em termos de eficácia, mas os “efeitos intrapessoais”, entre um agente que se expressa por INTERJEIÇÃO de um agente que se expressa LINGUÍSTICA-SIMBOLICAMENTE, guardam diferenças de vulto MONUMENTAL.

Isto porque um se limita aos quadrantes da fisiologia natural, irrefletida, imaturada, da terra, e outro ingressa no mundo das formas, a centelha da inteligência e cujo limite é o céu, ou seja, é quase ilimitado!

A forma das coisas é a sua essência propriamente, a sua apreensão mental chamamos de CONCEITO. A seu turno, para verbalizar qualquer CONCEITO, nomeamo-lo por SÍMBOLOS, como fonema ou grafema, e com interação convencional. Se pensamentos, raciocínios, hipóteses, etc., forem como catedrais, os conceitos são os tijolinhos delas.

Entre o piso da comunicação que é a interjeição e o seu teto, que é o conceito, há andares intermediários como comunicação pictórica, de indicação, onomástica, etc., mas não ocupam nossa atenção agora, que fica limitada a descortinar a importância do CONCEITO.

O CONCEITO, mais que se prestar, via os nomes, a comunicar, se presta a viabilizar as funções de PENSAMENTO humano.

O leitor conhece gente que até sabe FAZER coisas do seu cotidiano, mas não tem a menor condição de EXPLICAR em palavras o que exatamente faz? É a típica situação de não domínio dos conceitos. Mesmo que as ações dessas pessoas não sejam absolutamente inatas como uma interjeição de grito, espanto, alegria, etc., hão de ser necessariamente operações SIMPLES e assimiladas apenas por ORTOPETIZAÇÃO externa do corpo, em um esquema puramente material, igualzinho aos sapatos que, com o tempo e tanto usar, laceiam bem no pé.

A grande vocação humana é SE ELEVAR para além da matéria, nosso diferencial de tudo o mais que há. Se isso não fizermos, nos REBAIXAMOS. Em outras palavras, nossa vocação é gozar dos SÍMBOLOS e tal que quantos mais símbolos precisos, profundos e referentes dominamos mais se ILUMINA a vida.

Fica evidente a importância do culto à linguagem, no seu sentido próprio de ser uma simbologia do mundo e das possibilidades de vida no mundo. Cuja assimilação é MUITO MAIS extensa que prover simples COMUNICAÇÃO entre as pessoas.

Padece de maior dificuldade de percepção, inclusive de auto percepção, organização mental, memória biográfica, raciocínio, etc., quem não tem assimilação linguística, mesmo que consiga, em vários contextos e sob vários limites, até se comunicar razoavelmente. “Os limites de meu mundo são os limites da minha linguagem”, já provocou o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951). Desde também que a função da imaginação humana foi mapeada por Aristóteles (384 ac – 322 ac), a importância “inclusive intra-existencial” do cultivo da linguagem já era de conhecimento registrado.

A pedagogia, pois, que preconiza, que quanto ao ensino do idioma o que sobressai é a competência de comunicar, bem como uma própria cultura que a alberga – coisas que teimam resistir. Essas coisas lançam sobre nós luzes de vela preta e estabelecem metas muito aquém de um mínimo humanizador, pois é próprio do humano CONCEITUAR.

Reside exatamente neste ponto crítico, de haver capacidade de CONCEITUAR ou não, a peneira que divide: alfabetizados de alfabetizados meramente funcionais, ou de educados e meramente instruídos, para não dizer de inteligentes e do outro tipo de pessoas. Isso é mais sutil e, por igual, muito mais profundo que SÓ COMUNICAR para o mundo as coisas meramente fisiológicas ou da rotina dos hábitos.

A reprodução do texto é livre, devendo ser citada a fonte e preservada a unidade do pensamento.

Vicente do Prado Tolezano é graduado em direito peça PUC/SP e Mestre em Filosofia pela Faculdade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, com investigação sobre a Metafísica de Aristóteles. É diretor da Casa da Crítica e da Tolezano Advogados.

Tem formações complementares diversas na área da Gestão, Psicanálise, Mediação, Filosofia Clinica, Lógica e Argumentação e outras sobre a Alma Humana.

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