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Autor: Vicente do Prado Tolezano

26/02/2019

Poucos opostos entre si se dividem por linha tão fina quanto a PRÁTICA SEXUAL, a qual corrobora expressões desde a mais pura PULSÃO DE VIDA à mais oposta e pura PULSÃO DE MORTE.

Jamais ato sexual é propriamente indiferente ou banal. Se assim for percebido – e, amiúde, o é – sói ser porque o envolvido está nalgum estado de dessensibilização moribunda/niilista.

A não percepção, contudo, de qualquer afetação concreta não implica sua irrealidade e nem elide a emergência dos seus efeitos, os quais podem ficar apenas obnubilados, difusos, confusos ou retardados.

O desatento/disperso/letárgico/tolo/leviano/fútil/ingênuo não discerne, por exemplo, que o chamado “sexo casual” é recreação do mesmo modo que mel doce estragado é saudável ao estômago.

Tirante casos extremos, o paladar, sozinho, tem dificuldades de julgar imediatamente se os víveres são saudáveis ou tóxicos. Por igual, pode ser difícil judicar de imediato se a atividade sexual, efetivada ou proposta, é protagonizada por afetos vitais ou mortais.

O tempo-juiz sempre atua e mandará o prêmio-vida ou a conta-morte após as nossas alimentações, sejam de víveres ou de afetos.

O prêmio maior da atividade sexual é bastante generoso: vidas novas, não apenas aos que nascem daí, mas inclusive para os que renascem.

Ordinariamente, o ser que é genitor é mais ser, no sentido de seus âmbitos vitais senciente, intuitivo, reflexivo etc… são muito maiores em relação a quem não gerou, ao ponto de dizer que os genitores RENASCEM ao gerar vida.

Independentemente do aspecto propriamente procriador, a prática sexual como expressão de comunhão íntima-afetiva-sincera tem efeito dissolvente seguido de efeito fusionante e que também outorga a tonificação vital, com vontade de viver mais. Inclusive fisiologicamente, o orgasmo tem essa estrutura.

A rigor, à nossa condição dialética de “sermos necessariamente oriundos da natureza, mas da própria natureza separados” urgem os esforços de fusão, a qual sempre é um tipo de “morte egóica” (dissolução) para dar à luz a sucessivos nascimentos do “eu substancial” (fusão/integração).

Quando a substancialização se dá, estamos diante da AMOROSIDADE. Quando o oposto se dá, estamos diante do EGOÍSMO.

O drama imenso se dá quando o processo de morte egóica para na etapa da dissolução, caso em que “as pessoas não renascem”. Ou seja, “morrem de morte morrida”, sequer podendo ficar como já estavam, pois, como já dissemos, não há neutralidade nesses assuntos. A pessoa ficará só mais dissolvida/desintegrada.

A mesma fisiologia do orgasmo que explode o ser para os anseios de mais vida implode-o para menos vida se imediatamente ao ato sexual não houver o continente afetivo próprio/fusionante. Nesse caso, o estado de separação da natureza se sublinha com vigor.

Eventualmente, o abatimento vital se retarda, mas vem. No interregno, o desintegrado é presa fácil para a gula, intemperança ou mesmo perversão – própria e alheia.

É livre de dúvidas que todos os leitores conhecem baciadas de exemplos de prisioneiros sexuais, velados mas mais frequentes que alcoólatras, toxicômanos etc…

Uma característica singular da prisão sexual em comparação aos demais vícios é que ela pode ocorrer até sem que o ato sexual se realize. A simples promessa ou projeção do ato já pode trazer os efeitos paralisantes-servis-erratizantes propícios aos carrascos sexuais.

Essa dimensão do sexo-morte, também conhecida eufemisticamente por SEDUÇÃO (etimologicamente, “desvio do caminho”) é ato de PODER SOBRE alguém, ou seja, não é amor, nem vitalizante, nem libertário, nem nutriente, nem integrativo, etc…: É pura e simplesmente SÓ PODER MESMO.

No rigor da disjunção ontológica, tudo o que é ou é SUJEITO (substância) ou OBJETO. Ou seja, fora da pulsão da vida, substancializadora, o envolvido no ato sexual é OBJETO, termo que até mesmo a linguagem coloquial já acolheu.

O dono do objeto usa e abusa dele. Afinal, não passa de mero objeto. No caso de humanos-objetos, o objeto pode até ser pidão de mais abuso.

O esquema chantagista do dono do objeto de ameaçar tirar o abuso e deixar o abusado no vácuo costuma ser muito eficaz, mesmo que, em termos reais, o vácuo tenha até “mais concretude” que a degradação, a qual traz mais vício.

O conceito em lume é o de ABSTINÊNCIA, angústia gerada pela simples alteração das inércias a que a matéria se acostumara, que opera inclusive na plasticidade endoneuronal.

Há níveis menos graves do PODER SOBRE por meio do sexo-morte, mas que não deixam se ser perversos. É o caso da HUMILHAÇÃO, explícita ou sutil. O parceiro da relação sexual leviana pode simplesmente, após os atos, AGREDIR/AVACALHAR o outro ou o IGNORAR/FAZER JOGO ASSIMÉTRICO DE “LOUCO/BOBO”/, de forma cínica.

O objetivo nesses casos é atirar o parceiro no vácuo, traindo as expectativas que soem emergir após a dissolução senciente do ato sexual, que, já como dito, é de FUSÃO/CONTINENTE AFETIVO. Os efeitos desintegradores ao paciente falam por si.

Só porque esse tipo de vampirização é muito comum, banalizado (até estimulado em certos casos), não gera a escandalização social que lhe seria própria, mas o psiquismo segue destroçado, mais ainda se a própria vítima se evadir de assumir a situação com objetividade.

Para além da perversão alheia, as vias da ação do sexo-morte podem ter ressaibos suicidas, dum desintegrado que se autodesintegra mais ainda, colhendo da ação sexual as sensações dissolventes e num jogo auto destrutivo pré-assentido de não atender os ímpetos fusionantes que se seguirão e justamente para mergulhar mais no vácuo de ser. Mutatis mutantis, os vícios em geral têm esse mecanismo.

Há perfeitamente quem tenha orgulho de desintegrar outros e há quem tenha orgulho de desintegrar a si. Sexo pode atender aos anseios de ambos. “Sempre há os que apodrecem em vida porque separaram o sexo e o amor”, já disse o dramaturgo-mor Nelson Rodrigues.

Por sua vez, quem não tem orgulho não desintegra outro, nem a si. A estes o sendo de PODER SOBRE não existe, podendo existir o PODER PARA, que é da pulsão de vida, inclusive sexualmente.


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