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Autor: Vicente do Prado Tolezano
29-09-2017

Tente captar a distinção entre afirmar: “tenho um filho” ou “sou pai”. Ainda, entre milhares de possibilidades exemplificativas: “tenho um cônjuge” ou “sou casado”, “tenho namorado” ou “sou namorado”, etc… Só em patamar muito grosseiro, larguíssimo, as expressões comparadas são sinônimas entre si, já que o mínimo de rigor basta para sublinhar o fosso semântico que as divide.

Ou seja, já se vê, de partida, que a dimensão do AMOR, no sentido próprio, está fora do quadrante de significados do TER e cabe muito mais propriamente no quadrante de significados do SER.

A quem conhece o be-a-bá da ontologia, sabe que a noção de TER pertence à categoria ontológica de ESTADO e que a noção de SER, por sua vez, pertence às categorias da QUALIDADE ou da SUBSTÂNCIA mesmo.

Ou seja, “TER” denota, via de regra, um senso de predomínio circunstancial, sem penetração ou mesmo integração na essência de quem tem, atributos esses da qualidade e substância. A categoria do estado denota, em um certo sentido, uma qualidade, mas, superficial, de baixa estabilidade no tempo, como, por exemplo, “fulano está com roupa vermelha” (equivalente a que fulano “tem” roupa vermelha agora).

A categoria da qualidade denota, em certo sentido reverso complementar, um estado, mas com alta, ou ao menos maior, estabilidade no tempo, como, por exemplo, “fulano é magro”. É óbvio que o fulano pode engordar, mas não na mesma fugacidade como pode ele trocar de roupa.

A língua portuguesa é uma das poucas línguas que brinda seus nativos com o verbo ESTAR (irmão gêmeo do TER) e justamente para melhor sublinhar as distinções entre ESTADO e QUALIDADE.

Agora, voltamos à questão já insinuada na partida: temos AMOR ou somos AMOROSOS?

Também como já adiantado, a conclusão é que ou SOMOS AMOROSOS ou NÃO SOMOS AMOROSOS, pois AMOR condiz, só e só, com o SER, demandando, no mínimo, a estabilidade da qualidade, não suprida pela condição de mero estado.

Se alguém ESTÁ amando, pode-se dizer que, no sentido, próprio não é caso de AMOR, senão por figura de linguagem. Ou é caso de sentimentos/paixões como enamoramento, sedução, admiração, etc., ou ainda pode ser o caso de um ego-expandido.

Quem ESTÁ amando (?), o está em relação a um OBJETO, no caso um OBJETO DE AMOR, ou seja, está atraído POR fora de si. Por outro lado, quem É amoroso, o é em relação a si como SUJEITO DE SI e tal que está impelido PARA fora de si, ou seja, é SUJEITO DE AMOR.

Muita atenção às preposições POR e PARA, pois mudam o sentido em 180 graus e é essa nuance, quando vigente o PARA, que caracteriza o AMOR.

AMOR é sempre UNIVERSAL no sentido de dizer que QUEM AMA (QUEM É AMOROSO) AMA TUDO (A GENERALIDADE DAS COISAS), de maneira que, no mínimo, há de ser uma QUALIDADE, estado predominante, como vimos do SUJEITO, é uma característica penetrada nele.

O AMOROSO vai buscar múltiplos objetos de amor para desaguar seu ímpeto de AMOR e em uma relação de acumulação crescente de objetos de amor, pois é característica do AMOROSO não se conter, nem conter os objetos. É o tipo de pessoa que AMA o seu filho, ama a juventude, ama o filho do vizinho, o próprio vizinho, o pai, as pessoas idosas em geral, respeita a lei de trânsito porque é para respeitar as pessoas e não porque tenha câmera do Detran no local, etc. Enfim, o SUJEITO DE AMOR é CONSCIENCIOSO e vice-versa. O seu afeto interior geral é de GRATIDÃO para com a existência.

Claro que uma pessoa pode ser AMOROSO/CONSCIENCIOSA e deixar de ser, bem como o inverso pode se dar. O caminho do não ser AMOROSO ao o ser, será uma mutação de caráter geral da pessoa, processo que, se ocorrer, tende à morosidade de anos. É natural que qualidades, uma vez incorporadas, sejam difíceis de alterar.

Se a alteração qualitativa, contudo, é impossível de ocorrer, seja no tempo, seja no aspecto de que também não tem oscilações quantitativas quaisquer, estaremos no caso de se cuidar da própria substancialidade.

Uma pessoa AMOROSA não é perfeita, tenha-se em mente, pois mesmo as pessoas de caráter muito integrado e muito forte padecem de oscilações, o que, em si, não implica a perda absoluta do caráter, tanto quanto as oscilações sejam pontuais.

Dizer-se-á que alguém não é qualitativamente amoroso, mas sim substancialmente amoroso, se alcançar o patamar de amor puro, ou seja, de JESUS CRISTO, de BUDA, de notáveis líderes espirituais, divindades, etc., porque as suas identidades são reconhecidas como amor-puro ao SER.

A vasta maioria das pessoas, em todos os tempos e lugares, não é AMOROSA nem no nível qualitativo. O afeto interior regente da vasta maioria das pessoas é o RESSENTIMENTO, ainda que difuso, não a gratidão.

Ressentimento é fermento do EGO, o obstáculo sério do AMOR e cuja função é inversa a ele, pois o AMOR tende a não contenção e o EGO, justamente, tende à contenção ou posse de si e das coisas.

Imagine o exemplo simples de uma pessoa que ama o filho dela, mas odeia crianças. Que ama o cônjuge ou a mãe, mas não gosta ou despreza gente. É o que mais há.

Essas pessoas são EGOÍSTAS. Dizem e até podem pensar que amam esses objetos do amor, mas não se cuida de AMOR, cuida-se de mero EGO-EXPANDIDO, uma forma sutil de ego, mas não menos egóica.  Essas relações têm tudo para fomento de posse, pretensão de controle, modelagem psíquica, etc…, pois, ainda que até inconscientes, são orientadas a uma função política ou de proteção do EGOÍSTA.

O sujeito egoísta estabelece uma relação para com o seus objetos de (dito) amor que desintegra, na medida em que são relações que impedem a abundância própria do amor de que “quanto mais se ama, mais se ama”. O próprio do egoísta é que, porque (pensa que) ama um objeto, há de ama-lo em DETRIMENTO dos demais. Normalmente, tem até orgulho de proclamar isso em pulmões cheios, tal como que preterir ou até desprezar outros objetos de amor implicasse uma “pureza” ao seu pseudo amor que leva ao objeto limitante.

Egoísmo e orgulho andam de mãos dadas e dedos entrelaçados. Essa regra não costuma falhar e quando a relação não é percebida, provavelmente ela segue existindo, mas em nível sutil.

Amor sempre é ato de fusão e integração nossa ao SER, ao movimento expansivo contínuo, que é, pois, o oposto do TER, que mira a posse, a contenção. Não vamos amar porque em algum momento vamos achar o objeto perfeito do amor, conforme uma estupidez romântica inculca. Quando tiverdes essa impressão de ter achado o objeto perfeito do amor, saiba, sem risco de erro, que estás vitimado por seu ego, por sedução externa ou por ambos. Vamos AMAR quando decidirmos AMAR (ser sujeitos de amor) e aí os objetos dignos de amor serão sempre abundantes. Não há falha na lei do SER e ABUNDÂNCIA.


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