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Naquela altura da carreira de advogado, o ROLÉZIO já alcançara a OBJETIVIDADE, aquela mania de dizer SIM ao que É, de dizer NÃO ao que não É e dizer que não sabe ao que não se sabe. Aliás, já tinha concluído pós-graduação nessa tal coisa da objetividade: se cometesse algum erro, apontaria sua mão ao firmamento e diria ao horizonte algo do tipo: “fui eu”.

O ISAAC, validando a tese de que os nomes não costumam mentir muito, vinha da terra de Abraão; gozava, como é característico dos que de lá vêm, de inteligência dinamizada e de paciência encurtada.

Nós brasileiros somos pacientes, habito é das tautologias sem fim, das falácias intermináveis, das redundâncias entediantes e da frouxidão com as missões. Missões!? Como assim, perguntamos. O negócio não é entender; o negócio mesmo por aqui é agradar!

Dá para entender os conflitos com que esses executivos israelenses topam por aqui. Topam e criam conflitos por estas bandas, mas, ao cabo, sempre ganham. Afinal, a inteligência está com eles, pois descobrir como fazer um burro andar, não lhes tarda. De qualquer forma, explosões de nervos a fora, com direito a enrubescimento da pele, a voz elevada, etc… Faz parte.

O ISAAC era cliente, e mesmo amigo, há anos do ROLÉZIO. Aliás, “que cliente!”, sibilava consigo o ROLÉZIO, não por conta dos faturamentos, mas pela admiração concreta do ISAAC, pela sua inteligência. A rigor, era um dos raros clientes que ENTENDIA exatamente o trabalho que o advogado lhe prestava. Mais que isso: ele entendia TUDO o que fazia.

O esquema de vida daquele executivo notável era tal que, se não soubesse previamente o que fazer, não apenas não faria, mas iria ESTUDAR tudo sobre o assunto e aí ia DECIDIR. Descartadas as hipóteses de enrolar o assunto e também de fazer sem domínio. 100% das suas decisões tinham densidade de estratégia.

Podia gritar, xingar, ficar vermelhão, até pular sobre os móveis, etc., mas, “decidir à toa”, não era o caso. Podia girar a chave humoral da ponta da mansidão para a ponta da ira e volver e revolver a mesma chave várias vezes em instantes. Quantas e quantas vezes o ROLÉZIO não testemunhou gente chorar de medo do “judeu misterioso”, tal como baratas tontas que não sabem como agradar e aí ficam mais e mais tontas, girando, girando e giiiiiiiirando!

Eram poucas as vezes em que as reuniões – muitas houve – entre o ISAAC e o ROLÉZIO que não fossem em volume de rasgar os tímpanos mais dóceis, e que, às testemunhas externas, não lhes parecesse uma troca de hostilidades ou de maldições de um ao outro.

Fato é que, o ROLÉZIO achava uma D.E.L.Í.C.I.A. as reuniões com bate boca, com predicação de “burro” ao cliente, o qual replicava que é o advogado que era o burro. O pau comia nos duelos de capa rude e de miolo fraterno. Ora, um era tese, o outro antítese, e ambos SINTETIZAVAM, após dialética de farpas verbais, mas, com “vontade” do debate-duelo, quase esquecido “bom combate”. Seria deslealdade imperdoável de qualquer dos dois, não virem à mesa-arena para a fricção dialética.

Afinal, é o fogo que forja.

O batalhão de auxiliares, assessores, gerentes, vice-gerentes, chefes de áreas, encarregados de setor, etc., que circundavam aquele grande executivo, passaram pelos bancos escolares pré-primários, primários, médios, superiores ou de pós-graduação de cursos diversos, desde administração às engenharias, mas não passaram pela escola da OBJETIVIDADE.

Aliás, sequer sabiam que essa escola existia. Imagina só a antecipação do inferno que essa gente já se impunha nesta vida! Ao invés de aprender com o notável gringo, a gente verde-amarela se gabava de sua miséria, dizendo ser o chefe, o loucão esquisito. O fato de não captarem as alturas do chefe, não lhes presta a ver que eles é que estão no subsolo e não no cume.

A fofoca na ausência do chefe rolava densa e intensa. Na presença, a bajulação, o medo de não agradar, a ânsia de esquecer os neurônios para trás e sair correndo errático na frente procurando agradar o chefe sem saber o que, como para que, porque e etc.

Que SUFOCO que é ser BURRO!

Vamos ao episódio.

Plena reunião entre o ROLÉZIO e o ISAAC, em uma terça-feira qualquer, lá na capital paulista.

– ISAAC, para darmos entrada na AGÊNCIA REGULATÓRIA, coisa que eu quero fazer na semana que vem, precisaremos de sua procuração. – Disse o ROLÉZIO.

– Então mande para mim amanhã bem cedo para eu assinar, pois eu viajo de noite para Israel e só volto em 3 semanas e não podemos parar o processo – respondeu com, não comum, suavidade o ISAAC.

O fato é que, o ROLÉZIO esqueceu por completo da dita procuração e foi viajar de São Paulo para os pagos gaúchos no dia seguinte. Entretido estava ele na contemplação dos vinhedos bento gonçalvenses, quando lhe liga ISSAC:

– Caralho, já são 14:00 e você não mandou a procuração! O que está acontecendo!? –  urrava o ISAAC.

Puxa, é verdade mesmo. Eu esqueci. Vou agora ligar para o meu pessoal, já vão te fazer a minuta da procuração e te passam em minutos – replicou o ROLÉZIO.

– Mas como assim você esqueceu, porra!

– Esquecer é o modo em si da não ação, ISAAC – sacou o ROLÉZIO que estava nas tiradas dialéticas.

– É assim – insiste o ISAAC.

– Exatamente, mas agora eu preciso desligar para resolver o assunto, ISAAC. Se tu segues aqui, segues só, mas eu vou para resolver. Abraço.

Caralho – foi o último rasto sonoro do ISAAC.

O ROLÉZIO interrompeu sua turnê pelo belo Vale dos Vinhedos, foi à Avenida do Vinho, no Centro da Capital brasileira do vinho, até uma lan house e, por si, enviou o e-mail ao ISAAC com a tão ansiada procuração em anexo. Informou no dito e-mail que a procuração seria retirada no escritório dele na 2ª. Feira, quando o ROLÉZIO voltaria a São Paulo.

Era 15h10min quando o e-mail foi enviado. O ROLÉZIO teve o zelo de copiar a secretária do ISAAC, a Teresa, e lhe ligar para confirmar o recebimento. Recebido! Como a vida sempre segue normal aos normais, o ROLÉZIO retomou seu tour.

Desta vez, já cravadas às 16h15min no relógio, o ROLÉZIO brindava com espumante vermelho, quando lhe alcança, ora bendito e ora maldito, mas naquela hora só maldito, o celular a Teresa.

Dr. ROLÉZIO, o Sr. ISAAC deixou uma procuração aqui para o senhor. Para onde eu envio.

– Oi Teresa. Não precisa enviar. Na 2ª feira, eu volto a São Paulo e pego aí com vocês. Tu inclusive me prepares um café, minha cara – replicou o ROLÉZIO mantendo a atmosfera amena.

– O ISAAC mandou entregar e eu vou entregar sim. O senhor já não mandou o documento antes para ele e ele não gostou disso!

– Não é necessário, Teresa, conforme eu acabei de te dizer.

– Se o senhor não vai me dar o endereço eu vou pegar na internet. O meu chefe é o senhor ISAAC e eu vou mandar sim!

– Boa tarde, dona Teresa. – O ROLÉZIO desligou sem outras cerimônias e foi cuidar das “coisas que interessam”, não sem, claro, brindar à limitação da dona Teresa.

Chegadas às 17h20min, novamente, o ROLÉZIO é interrompido, na justa fruição das bondades do mundo, desta vez pela Soraia, a sua secretária.

– Dr. ROLÉZIO, chegou um documento do Sr. ISAAC aqui para o senhor e o portador falou que não sai daqui enquanto o senhor não assinar.

– Diga-lhe que estou viajando, ô saco!

– Pois é eu já falei, mas ele insiste que não sai daqui se o senhor não assinar ou se eu não assinar e também não der uma declaração de que o senhor está viajando. Ele quer ainda um carimbo do escritório.

– Ô Soraia, deixa eu te contar uma coisa. Gente burra se trata no chicote. Se eles estão agindo assim é porque tu tá trouxa e tá deixando eles montarem. Põe para fora esse cara e fala que eu mandei à merda. Eu repito: à m.e.r.d.a. Estou em viagem e não quero mais ser aporrinhado com este tipo de assunto! – O ROLÉZIO desligou.

Era 18h15min, recebe o ROLÉZIO, ao mesmo tempo, e-mail, mensagem no Whatsapp e por SMS, todas oriundas da Teresa, com os dizeres:

“Dr. ROLÉZIO, a procuração do Sr. ISAAC foi entregue no seu escritório, em mãos da Sra. SORAIA, sua secretária, hoje às 17h25min. Temos o protocolo dela e da empresa de transporte também”.

Em certo sentido, a mensagem era até boa, pois foi razoável crer, como o ROLÉZIO creu que a Teresa fosse, então, se ocupar de aporrinhar terceiros dali para frente.

Ledo engano. Muito ledo; afinal, burrice é aquilo que a que o razoável não consegue se impor.

Já era dia seguinte, plena quinta-feira ensolarada e com programação rica de belezas da Serra Gaúcha adiante, mas o ROLÉZIO é chamado para as feiuras das almas menores.

A Sra. Teresa lhe envia, às exatas 09h05min, novamente, mensagem por SMS, Whatsapp e e-mail, pelo qual ela repete a entrega, sob recibo, da procuração mais cobiçada do planeta e PEDE que o ROLÉZIO confirme o recebimento.

O ROLÉZIO teve a dignidade caridosa de lhe responder de forma simples, direta e concisa por escrito e em LETRAS MAIÚSCULAS:

“BOM DIA, SRA TERESA”.

A vida normal seguia seu curso e o ROLÉZIO voltou a se entreter com as coisas aprazíveis até que, novamente, a feiura persistente invade a cena. Era a Soraia, tensa:

– Dr. ROLÉZIO, a Teresa não para de ligar aqui falando que enquanto o senhor não confirmar o recebimento da procuração ela não vai parar de ligar.

– Soraia, mais alguma coisa?

Mas o que eu falo para ela? Ela não para de ligar.

– Fala para ela que eu estou chupando uva e só vou parar quando a parreira estiver vazia. Abraço, Soraia.

Seguiu-se um frenesi. Teresa ligava para Soraia, que não atendia, e para ROLÉZIO, que também não atendia. Cada vez mais, Teresa punha mais carvão na fogueira que acendera em si.

Eram 17h00min, mais ou menos, hora que o ROLÉZIO voltou dos tours ao hotel. Havia várias mensagens da zelosa Teresa e a última tinha um ultimato claro:

“Dr. ROLÉZIO, eu tenho recibo da sua secretária e do motoboy que a procuração foi deixada aí. A Soraia inclusive me confirmou que está sobre a sua mesa a procuração. Se o senhor não confirmar, eu vou escrever para o senhor ISAAC contando tudo e vou mandar os recibos também”.

O ROLÉZIO, novamente claro, respondeu com a classe devida em com letras MAIÚSCULAS:

“BOA NOITE, SRA. TERESA”.

Os burros têm a mania de cumprir, não todas as suas promessas, mas as promessas mais burras. Logo, a Sra. Teresa não seria exceção à regra.

Na 6ª. Feira, MUITO CEDO, 05h00min, ela escreveu ao Sr. ISAAC que estava em Israel. Ela explicou que escrevia muito cedo, pois a hora em Israel é mais tarde que a hora no Brasil e que ela sabia que nas 6ª. Feiras os judeus param mais cedo, dessa forma ela queria preservar o Sr. ISAAC.

Relatou a dita senhora a saga horrorosa porque passara ante ao Dr. ROLÉZIO que não confirmava o recebimento da procuração, mesmo tendo ela recibos nesse sentido! Como pode esse homem se negar a confirmar algo para o que há recibo! Mais ainda, são dois, DOIS recibos. O paradoxo, afinal, era um Titanic numa banheira doméstica.

Ela ressaltava na sua mensagem ao grande executivo: “Eu fiz tudo que podia. Fiz mesmo. O senhor precisa acreditar em mim”.

O ROLÉZIO, novamente claro, respondeu com a classe devida em com letras MAIÚSCULAS:

“BOA DIA, SRA. TERESA E BOM DIA, SR. ISAAC”.

Passa-se aproximadamente um mês. A procuração foi, finalmente, usada para o fim que era devida, o assunto, inclusive, resolvido. O ISAAC voltou ao Brasil e nova reunião com o ROLÉZIO foi marcada.

Lá na empresa, constata o ROLÉZIO, Teresa não estava. Outra secretária veio se apresentar ao ROLÉZIO. Informou-lhe que a Teresa teve uma crise de choro naquela sexta-feira porque ela não conseguiu que ele, ROLÉZIO, confirmasse que recebeu a procuração. Disse ainda que, então, ela enviou mais vários e-mails ao ISAAC que também nunca respondeu.

Como a Teresa não suportava essa situação de não haver confirmação para o que ela tem recibo e nem o chefe dela responder, a Teresa ligou para o chefe uns dias depois para contar tudo para ele.

O chefe estava na Ucrânia, em reunião em um ministério, e após 5 minutos ouvindo a zelosa secretária contar tim tim por tim tim, mandou-a a MERDA. Conta-se que ela chorou, chorou e chorou. E, foi-se embora, dizendo que o ISAAC não gostava mais dela.

Autor: Vicente do Prado Tolezano


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