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Tempo houve em que todos iam ao banco. Pagar contas, depositar ou sacar dinheiro, cheques, consultar extrato, etc. Aliás, ia-se demasiado ao banco. Os bacanas, é certo e é igualmente óbvio, iam menos, pois naqueles tempos – pré-internet – havia a profissão de office boy, cujo mister central era justamente o de frequentar as filas das casas bancárias.

Nessa época do encontro com IVANA, a ROLÉZIO ADVOGADOS já era meio próspera, tinha boy próprio, mas mesmo assim, vez ou outra havia o próprio Dr. ROLÉZIO, titular da banca, de se dignar a ir ao banco para fazer transações. É claro que nutrir boas relações com gerente de contas das casas bancárias sempre foi de prudência basilar: podia-se evitar as pestilentas filas de centenas de metros para resolver as coisas na mesa dele.

Quanta ajuda era isso!

Lá na Praça da Liberdade, no centro velho de São Paulo, reduto dos sanseis, dos nisseis e mesmo da japonesada original das antigas, próximo à Igreja das Almas, a única com estátuas de santos negros na cidade, próximo também das bancas de caldo de cana. Lugar cuja feiúra não é muito percebida porque é meio exótico, eis que exsurgia o Banco da Planta, aquele de fachada laranja. A ROLÉZIO ADVOGADOS tinha conta lá.

Não era desejável que assim fosse, mas também estava longe da raridade que assim era, que o ROLÉZIO trocasse entreveros com os bancários. A rigor, o ROLÉZIO já tinha em mente sua missão de reescrever o dicionário da língua portuguesa e, ao verbete “bancário”, ele, é verdade, reservara uma definição pouco elogiosa, porém “verdadeira”.

À trama dos fatos, contudo!

A gerente da conta da ROLÉZIO ADVOGADOS, no Banco da Planta, era a IVANA já há alguns meses. Ela não era um canhão de luz em conhecimentos da profissão e nem tinha posse das melhores articulações lógico-verbais, mas estava longe de dubiedade, qualitativamente acima de tantos antecessores e antecessoras com que o ROLÉZIO travara conhecimento sem prazer algum.

De qualquer forma, e, talvez, se fosse motivo para eclipsar o julgamento perfeito do ROLÉZIO sobre a IVANA, ela era simplesmente L.I.N.D.A. Era um conjunto dessas belezas que o imaginário masculino recorrentemente constrói e que provocam um baita SUSTO, com direito a frio na barriga, a quem, de repente, se depara com a imaginação tornada realidade concreta.

Estava a IVANA, no pináculo da florescência feminina, aos 34 anos muito bem maturada. Cabelos ruivos cacheados e soltos, cútis sedosa, olhar faiscante, gestual magnificente, timbre macio de voz, balanceamento corporal salomônico, enfim, os predicados materiais não lhe eram escassos.

O ROLÉZIO travava boas relações com a provocante gerente, inclusive, com ela, falava sempre em voz baixa. Em todo encontro, antes dos assuntos banais-operacionais da praxe bancária, era de rigor, óbvio, o passeio incursivo nas amenidades dos giros vãos e que compõem os protocolos dos papos pseudo sérios.

O sinal cabal de bem-querer-efetivo, nessa relação gerente-cliente, era que a IVANA dispensava o Dr. ROLÉZIO das pestilentas filas dos caixas. Bastava-lhe ir à mesa dela, deixar os documentos das transações e voltar no dia seguinte e… “bingo!”, estava tudo feito. Para as coisas excessivamente simples, o fluxo até que ia bem!

Pois bem. Certa feita, o ROLÉZIO sabia de antemão que receberia uma ordem de pagamento do exterior numa dada quarta-feira. Dinheiro esse expressivo e cujo levantamento incontinenti era muito necessário para o escritório seguir seu destino em outra operação já articulada. Sucede que, o ROLÉZIO tinha um compromisso judicial inadiável e inafastável em Curitiba, justo na dita quarta-feira, e não poderia assinar o necessário contrato de câmbio do dinheiro.

A solução foi, na segunda feira, achegar-se à simpática mesa da IVANA e perguntar-lhe o óbvio, logo após a sessão dos gracejos protocolares:

– IVANA, vai chegar uma ordem de fora na quarta-feira, mas eu vou estar em viagem. Vim saber se posso assinar o contrato de câmbio por meio de um procurador. Você sabe me dizer ?

– ROLÉZIO, não tem porque não poder, mas se o senhor quiser, posso consultar o nosso departamento jurídico.

E a IVANA foi às dependências internas do Banco da Planta, voltando com um papel impresso com timbre da instituição e asseverando:

– ROLÉZIO, falei com o jurídico e temos um modelo próprio de procuração para esse fim. É necessário que o senhor siga o padrão desse modelo e tudo estará certo para a operação. Mas, se atente que senhor vai precisar também reconhecer firma em cartório.

Terminaram a conversa, o ROLÉZIO e a gerente IVANA, pelos trânsitos nas amenidades de estilo.

Na terça feira, foi dia de ir ao Cartório reconhecer a firma da procuração, inclusive com o zelo de o fazer “por autenticidade”, em um esforço para não dar nenhum xabu no dia seguinte. Fez o ROLÉZIO a procuração em 2 vias, tirou cópia de todos os documentos pessoais e dos documentos relacionados à operação, entregando ao procurador eleito um envelope ordenado acompanhado de um tutorial “redondo” contra erros, tudo para o trâmite não deixar de fluir.

Na 4ª feira, quando o horizonte visual do ROLÉZIO já se cercava de araucárias, o maldito celular toca. A chamada era do MAURÃO, o procurador do ROLÉZIO:

– Ô ROLÉZIO, tudo bom? A rola tá pegando aqui, meu caro. Chegou a ordem de pagamento no banco sim, mas não dá para fazer por procuração. Você precisa vir pessoalmente.

– Não é possível, MAURÃO. Eu estive aí e arrumei tudo. Faz assim, procura a IVANA, pois foi com ela que eu tratei tudo. Resolve essa merda, cara!

– Mas é com ela mesma que eu estou falando. Ela está aqui na minha frente e ela não autoriza fazer o levantamento por procuração.

– Deixa eu falar com ela, MAURÃO.

– Oi, Dr. ROLÉZIO, é a IVANA. Estou com o seu procurador, mas não dá para assinar o contrato de câmbio só com ele aqui. O senhor não entendeu o que eu lhe expliquei. Dá sim para fazer o contrato de câmbio por meio de procuração, porém, o senhor precisa vir junto para assinar com ele o contrato.

Naquele momento, e sabe-se lá se para o bem ou para mal, o fato é que ao ROLÉZIO não faltou a presença de espírito, próprio dos guerreiros. Afinal de contas, era uma situação de confronto combativo entre o mínimo da razão e a bestialidade desenfreada. Pela primeira vez, o ROLÉZIO subiu o timbre com a bela gerente:

– O que, IVANA!? Você está me dizendo que eu preciso ir junto com o meu procurador para assinar o contrato aí no banco?!

– É isso sim, Dr. ROLÉZIO. São regras do banco.

– Deixa eu te contar uma coisa, IVANA: tu és muito bonita e muito gostosa, tá bom? Mas, você deve usar isso tudo para depois das 6 da tarde, agora não. Inclusive, é bastante importante você ver se tu tens vocação para as profissões que trabalham antes das 6, porque elas pedem competência e não corpinho bonito.

Houve uma suspensão no fluir da dialética. IVANA se calou, sendo audível no celular apenas uma inspiração mais forçada e que durou alguns segundos antes da retomada da soltura de timbres vocais.

– ROLÉZIO, o senhor não está entendendo. O senhor precisa vir junto com o procurador para assinar o contrato, senão não tem jeito. O senhor precisa entender isso.

– IVANA – e seguia o ROLÉZIO em tom avolumado – então você me escreve, põe tudinho em papel passado e assinado por você, gerente do Banco da Planta, que eu posso mandar um procurador para assinar um contrato aí nesse banco mas desde que eu vá junto!!! Escreve isso aí que eu vou publicar em um jornal essa pérola. Se você acha que não existe pessoa inteligente no mundo, o problema é teu e só teu. E se você não sabe fazer o trabalho, passa para quem sabe, mas não venha me desrespeitar com a tua INCOMPETÊÊÊÊÊÊNCIA!

A IVANA se calou e pôs o gancho do telefone de forma brusca sobre a mesa. Veio a contar o procurador mais tarde que ela passou a olhar ao horizonte, ficando com a tez mais clara-pálida.

– Ele está bem zangado – disse IVANA ao MAURÃO, de forma gélida-evasiva.

– Ele está sossegadíssimo, pode ter certeza disso – replicou o MAURÃO, com uma pitadinha de deboche contra a bonitinha, mas ordinária gerente.

A IVANA desligou o telefone, poupando o ROLÉZIO de um sequer tchau ou outro besteirol qualquer, só não ficando o ROLÉZIO em plena solidão porque presentes estavam tremores de irritação ante os fatos confirmatórios da degradação humana.

Contou o MAURÃO, em momento posterior que ela, após retornar o gancho do fone à base, se levantou com olhar fixo no horizonte e moveu-se num caminhar militaresco até as dependências internas, de onde voltou meia hora depois com o papel, carimbado por algum superior, de aprovação da operação a ser firmada apenas pelo procurador, sem que o mandante do procurador estivesse presente!

Não foi, contudo, o parto de uma nova fase de ascenso cognitivo para a bela gerente a descoberta de que se um ato se faz por procurador é justa e exatamente para que o mandante não tenha que comparecer ao ato. Afinal, qualquer parto implica expressão de vitalidade e a nossa gerente, fofocou o MAURÃO, estava com ares cadavéricos corruptores da beleza plástica do entorno.

A IVANA mostrou com o dedo ao MAURÃO onde ele assinaria, o que ele fez, tendo ela lhe dado sua via e se limitado a dizer, em som destimbrado e próprio de seres de lata:

– O dinheiro já irá para a conta. Boa tarde.

MAURÃO saiu do banco e chamou o ROLÉZIO sob um terremoto de risos. Contou tudo o que se passou e o ROLÉZIO decresceu em grau de irritação.

Passados poucos dias, volta o ROLÉZIO ao Banco da Planta por assuntos outros e também para tratar com a pedagogia dos olhos com a bela gerente sobre o que é uma procuração, pois, afinal de contas, a ignorância nua bruta pode recair sobre qualquer um.

A IVANA não lhe olhou nos olhos, coisa que, efetivamente, incomodava o ROLÉZIO, intolerante-mor com os fugitivos de presença. O ápice da moléstia audaz contra o ROLÉZIO se deu com o dar de ombros da bela gerente ao pedido que ROLÉZIO lhe fizera para não ter que pegar taxi para ir até o fim da fila do caixa!

Isso é demais! Mais um deboche contra mim, igual ou pior que me tratarem como imbecil ao recusar o meu procurador sem a minha presença – pensava o próprio ROLÉZIO consigo.

Pois bem, o assunto não iria parar nisso. O ROLÉZIO então, depois de horas de trabalho jogadas no lixo por conta da espera na fila do banco, voltou ao escritório e dignou-se a escrever uma carta, não sem “pitadas de veneno”, ao OMBUDSMAN do Banco da Planta relatando, detalhe por detalhe, o ESCÂNDALO de que um gerente bancário, devidamente identificado, daquele ilustre banco, informara ao denunciante que os “atos que podem ser feitos por procurador devem ter a presença do mandante no próprio ato”.

Não eram tempos de e-mail. A carta-denúncia do escândalo houve de ser protocolada in loco, na sede central do banco, diligência de que o ROLÉZIO não se furtou.

Dias passaram e eis que chega, à mesa do ROLÉZIO, a resposta do ilustrado OMBUDSMAN do Banco da Planta. O envelope era bonito, o papel era precioso. O conteúdo da missiva era rico em cortesias, mas a semântica foi tal que, o banco, informava que tinha a lamentar que houve frustração quanto ao episódio, mas que era um banco muito zeloso, todos os cuidados eram muito necessários e, inclusive, para a melhor segurança do cliente. Dizia ainda a missiva que o banco se sentia muito feliz e prestigiado com a sua eleição para acolher a conta da ROLÉZIO ADVOGADOS.

Veio junto ao envelope um calendário de mesa como cortesia do banco para a ROLÉZIO ADVOGADOS, com o intuito de compensar um pouco das frustrações.

– São IMBECIIIIIIIIIIS absolutos, bradou o ROLÉZIO. Para as paredes.

Autor: Vicente do Prado Tolezano

 


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